terça-feira, 31 de outubro de 2006

RALOUIM


O mesmo palhacinho aí de baixo virou o vampiro aí do lado. Não disse que o cara gostava de festa? Então. Dez dias depois de ir a uma, vestido de palhaço, foi a outra, vestido de vampiro. Mas é baladeiro, hein...
O que me traz aqui, no entanto, é o motivo pelo qual ele virou vampiro. Hoje é o tal do RALOUIM. Aquela festa celta que foi comprada pelos estadunidenses e vendida para nós por ROLIÚDE.
Que somos facilmente conquistados pelos povos do Norte, isso não é novidade. Mas, sinceramente, nunca vi um hábito tão estranho à nossa cultura se incorporar tão rápido.
Há oito ou dez anos atrás, falava-se do tal RALOUIM como uma curiosidade. Nenhuma criança brasileira saía tocando campainha da casa dos outros, vestindo fantasia de bruxa, dizendo gostosuras ou travessuras. Pelo menos tiveram a decência de traduzir a expressão "trick or treat".
Hoje, graças à ajuda da imprensa brasileira (repercutindo a data e explicando seu significado à exaustão) e às escolas (!!!!!), que a comemoram e pedem até trabalhos para os pequenos, as crianças brasileiras celebram o RALOUIM, sem nenhuma ligação cultural com a data e com o evento. Repetem o comportamento de culturas estrangeiras como autômatos imitadores, apenas porque é moda, é legal, é bacana. Ou alguém disse que é.
Não sou daqueles nacionalistas radicais, xenófobos (como são, por exemplo, os estadunidenses) e penso que a cultura é algo universal, que deve ser partilhado. Se não podemos atingir a utopia de sermos um único povo (nacionalidade: terráqueo), que pelo menos compartilhemos nossas culturas de maneira fraterna. Contudo, partilhar não é praticar. Praticar atos ou comportamentos de uma cultura tão distinta da nossa, incorporando-a aos nossos hábitos, sem a mínima identidade com aquilo, me parece uma forma subliminar de colonização. E é! Estamos prontos para sermos invadidos pelo exército estadunidense, cujos soldados não terão a menor dificuldade em se comunicar em inglês conosco, como têm para mandar um iraquiano se identificar numa barreira militar em Bagdá.
Nossa alma já está conquistada e isso facilita muito as coisas. Gostamos da sua lingua, gostamos da sua comida, gostamos do seu jeito de vestir, gostamos da sua música. Na verdade, almejamos ser eles. Sonhamos ter nossa Nova York, nossa Disneyworld, nossa Las Vegas. Até nosso gestual chulo foi contaminado. Quando eu era jovem adolescente e queria mandar alguém "tomar no cu" (com o perdão da má palavra), unia o indicador ao polegar, formando um círculo e deixava os três dedos restantes estendidos. Se fizesse isso, era briga na certa. Hoje, ninguém vai entender este sinal. Agora, experimente recolher todos os dedos da mão e deixar estendido o médio na direção de alguém, como vemos nos filmes de lá; é capaz de você ouvir de volta um grito: "Fuck you!!!"
A
cho que esse vampiro do RALOUIM, está sugando o nosso sangue brasileiro.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

RESPEITÁVEL PÚBLICO!!!! SOCORRO!!!



Esse palhacinho aí do lado, tem tudo a ver comigo. E, ao mesmo tempo, nada. É meu filho, o que justifica a primeira afirmação. Mas tem uma personalidade completamente diferente, o que justifica a segunda.
Deixou-se vestir assim para uma apresentação na escola. Deixou-se pintar assim. E não agüentava esperar pela hora de ir. Feliz...feliz como toda a criança é... mesmo as tristes. Ensaiou seu número compenetrado, como se disso dependesse o futuro da humanidade. Ensaiou com uma entrega que só as crianças têm. No palco, atuou como se estivesse dizendo o monólogo de Hamlet, embora fosse um número de mímica. Entrou da coxia e encarou o público como se fosse íntimo de cada pessoa sentada na platéia. Olhos nos olhos... Sem medo de se expor... E como estava feliz!... Tão feliz, que - só de ver a felicidade dele - a platéia riu e também ficou feliz.

Lembrei de quando eu tinha a idade dele. Lembrei de que, numa festa junina, alguém tentou me pintar um cavanhaque e um bigode. Quando olhei no espelho, achei-me ridículo e comecei a chorar. Os argumentos adultos não me convenceram a usar aquela cara. Concedi, muito contrariado, em usar uma calça com um horrível remendo colorido e um lenço grotesco amarrado no pescoço. Definitivamente, não suportava esse tipo de exposição.

Anos depois, quando comecei a dar aulas na universidade, precisei fazer curso de oratória pra vencer o trauma: fiz três. Mais tarde, entrei para um curso de teatro que foi o máximo, mas fugi da apresentação do final de ano. Sem contar os quinze anos de psicoterapia Junguiana. Com tudo isso, meu medo da exposição pública foi acabando. Mas, nunca deixou de existir uma tensão, um sofrimento a cada início de aula, a cada véspera de uma palestra. O fantasma da auto-crítica continua mais assustador do que nunca. O máximo que consegui foi vencer o medo e ir lá pra frente com fantasma ou sem fantasma, o que é uma grande vitória.

Só não consegui ter a alegria e a leveza que esse palhacinho tem.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

NOVIDADE NA IMPRENSA: PIAUÍ


Hoje foi lançada uma nova revista. Chama-se PIAUÍ, mas ninguém explicou porquê. Em matéria da Folha, ficamos sabendo que a publicação pertence à Videofilmes, dos irmãos Moreira Salles (Walter e João) que têm muito dinheiro, muito talento e muito bom gosto.
Tem um time respeitável de colaboradores: Ivan Lessa (ai que saudade do Pasquim), Angeli, Marcos Sá Corrêa, Mario Sergio Conti, Rubem Fonseca, Dorrit Harazim, Luiz Schwarcz (da Companhia das Letras), Eduardo Escorel e outros.
O que me chamou a atenção, na verdade - e que me fez ir comprar o número 1 - foram algumas declarações do João Salles sobre a nova publicação: ela não tem linha editorial definida (aliás, não tem editorial), nem posicionamento político. Não há restrições a temas, nem patrulhamento ideológico, para usar uma expressão já antiga. Isto é: liberdade total do texto e dos autores. Segundo ele, a revista quer apenas contar boas histórias com humor. Os textos devem ser "interesantes, bem escritos e divertidos".
Vi, nesse perfil, uma aragem de renovação. Lembrei do Pasquim, já citado acima, que tinha esse mesmo frescor e qualidade. Eu devorava o jornal, na minha adolescência, como todo mundo aliás fazia. Chegou a vender duzentos mil exemplares, o que na década de 70 era um fenômeno absurdo.
Os tempos são outros e as pessoas também. PIAUÍ não é o PASQUIM. Mas sinto cheiro de inteligência e vejo uma alternativa estimulante à grande imprensa. A conferir.
Pra conhecer melhor a revista e sua proposta, o melhor é comprar, mas outras informações estão aqui.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

PERSONAS GRATAS E NON GRATAS

Se você perguntar pro pessoal lá de casa quem sou eu, eles devem dizer que sou um cara mal-humorado, ensimesmado, que gosta de se isolar e ficar quieto lendo ou escrevendo. Que falo pouco e não me relaciono com eles. E que tenho uma tendência à depressão.
Se você perguntar a mesma coisa pra qualquer um de meus clientes, vai ouvir que sou uma pessoa engraçadíssima, que não pára de falar abobrinha e que é uma terapia ir lá no meu consultório porque só se dá risada das coisas que eu falo. E que sou uma pessoa muito positiva e "alto astral".
Se você perguntar isso pra muitos de meus amigos mais próximos - aqueles que me conhecem bem - eles vão dizer que eu sou um cara muito interessante de quem gostam muito, mas que vivo vendo o lado negativo das coisas e que sempre acho que tudo vai dar errado.
Se você consultar minha mulher, ela provavelmente vai dizer que sou uma pessoa muito acomodada, que empurro tudo com a barriga, pouco empreendedor e pouco objetivo.
Já meu filho menor com certeza vai dizer que sou muito estressado. Aliás, assim que aprendeu a falar já começou a dizer isso. Era até bonitinho ver aquele molequinho de dois anos e pouco me perguntar: "Cê tá istessado?" Se eu estivesse, deixava de ficar na hora.
Meu filho mais velho talvez não diga muita coisa, porquê o que mais deve ter sentido foi a minha ausência, por mais que eu tivesse tentado ser presente.
Minha secretária, vai dizer que eu sou legal (se não fosse, ela não aguentaria trabalhar pra mim por dezoito anos), mas que sou muito mimado e tenho cinco minutos onde bato portas e jogo coisas.
Pessoas que me conhecem há pouco tempo, vão lhe dizer que eu sou uma pessoa brava, carrancuda, que inspira um certo temor.
Agora, se você fizer essa pergunta pra mim, não obterá resposta nenhuma. Não tenho resposta. Não tenho nada a declarar porque tudo o que disser pode ser usado contra mim. Não, não é crise de identidade. Essas, já as tive várias: aos oito anos, aos quinze, aos vinte e oito, aos trinta e dois, pulei a dos quarenta e tive aos quarenta e seis. Agora, aos cinquenta e dois, não tenho crise de identidade; tenho crise de identidades. É isso mesmo. Descobri que, além de não conseguir responder à mais fundamental das questões filosóficas, "Quem sou eu?", tenho que responder também a outra questão, "Quantos sou eu?" . Depois de descobrir este número, preciso achar resposta à primeira questão, pra cada uma dessas identidades. É mole?
Bem, não é tão desesperador assim. Na verdade, no momento em que você descobre esse monte de gente dentro de você a coisa fica mais simples. Aí você simplesmente deixa de se preocupar com isso e aceita o fato de que todos esses caras são você e você é todos eles. Você vira uma turminha o que pode ser bem legal, até. O problema é que você não decide quem vai junto ao cinema, quem te acompanha no trabalho, quem vai estar a fim de aparecer naquele jantar. Você perde um pouco o controle sobre isso, mas dá um certo, digamos, movimento à mesmice.
De resto, consolo-me com as palavras do poema de Mario de Andrade...

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...