sexta-feira, 24 de novembro de 2006

PARABÉNS! E BOM FUNERAL!

- Alô...
- Bom dia! Com quem falo?
- Com quem quer falar?
- Sr. Paulo de Tarso.
- É ele.
- Sr. Paulo, aqui é Adriana Rúbia, da BOM. O sr. poderia estar...
- De onde?
- Adriana Rúbia, da BOM, Boa Morte!
- Boa Morte?...
- O sr. poderia estar respondendo uma pesquisa rapidinha?
- Ai, meu Deus...!
- Como?
- Nada... pode falar...
- O sr. perdeu algum ente querido recentemente?
- Ahn, não.
- O motivo do nosso contato, Sr. Paulo, é poder estar lhe passando nossos planos exclusivos...
- Planos?
- O sr. sabe que nos momentos mais difíceis, temos que estar tomando muitas providências.
- Que momentos?
- Nosso contato na verdade, sr. Paulo, é pra poder estar lhe oferecendo nosso planos de auxílio funeral. Somos uma empresa especializada em providenciar todas aquelas providências difíceis daqueles momentos.
- Ahn, sei... vocês "providenciam as providências" ...
- Isso mesmo, sr. Paulo. Nossa empresa se encarrega de todo o necessário para que o sr. tenha um funeral tranqüilo, sem estar se aborrecendo com nada. Nosso plano cobre qualquer burocracia, papelada, locação de castiçais, velas e crucifixos, compra de urna, coroas, suporte para o livros dos visitantes, preparo do corpo, providenciamos cafezinho e salgadinhos para o velório, enfim, o sr. não vai estar se preocupando com nada disso na hora do seu funeral. Nossa empresa vai estar cuidando de tudo. Assim o sr. e seus familiares podem ficar tranqüilos, neste momento tão difícil, sem estar se preocupando com tantas coisas...
- Escuta...
- E, nessa promoção, somente hoje, o sr. não precisa estar pagando a taxa de adesão e cadastro, no valor de cem reais. O sr. só começa a pagar a primeira mensalidade no mês que vem. Tudo o que o sr. precisa...
- Moça...
- ... é estar fornecendo seu CIC, RG...
- MOÇA!
- ...e o número do seu cartão de crédito VISA ou MASTECARD, ou ainda uma conta para débito automático....
- Ô MENINAAAA!!!!!!!
- Sr.?...
- Posso estar falando????
- Pois não, sr.
- Você vai ouvir?
- Sim, senhor...
- Sem interromper?
- Hã...hã...
- Presta atenção. Não estou interessado. Não quero comprar auxílio funeral. Quem lhe deu o meu telefone?
- Nós obtemos do nosso meilingui...
- Bom, não quero, obrigado... até logo.
- Mas, senhor...
- Muito obrigado, querida, não estou interessado em morrer.
- Mas isso vai acontecer um dia e...
- Quando acontecer eu vejo o que faço.
- O senhor não vai querer estar aproveitando a promoção sem taxa de adesão? É só hoje...
- Como você chama mesmo, meu bem?
- Adriana Rúbia.
- Adri, presta atenção. Hoje é o dia do meu aniversário, entendeu. Eu faço 52 anos hoje.
- Parabéns, sr. Então, o sr. não quer estar se dando este presente?
- Vou repetir, moça... Hoje é o meu aniversário. Estou comemorando meus anos de vida. Vida, entendeu? Não acredito que o primeiro telefonema que recebo no dia do meu aniversário é de alguém querendo vender auxílio funeral.... Não acredito!!!...
- O sr. não quer então estar conhecendo nosso plano Funeral Light? Ele é mais acessível e o sr...
- Tu...tu...tu...tu...
- Alô, sr... sr...

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Caros leitores.
Vocês estão pensando que eu inventei essa história?
Não, mesmo. Acaba de acontecer. Tô fora.

sábado, 18 de novembro de 2006

MACRO, MICRO

Andréa N., do blog In Other Worlds, publicou um post a que deu o nome - aparentemente paradoxal e muito interessante - de "A Grandiosidade da Nossa Insignificância".
Trata-se de uma série de figuras que comparam sucessivamente as dimensões dos planetas - entre eles a Terra - com outros planetas e com as estrelas de dimensões conhecidas. Primeiro o Sol, depois Sirius, Pollux, Arcturus, Betelgeuse e Antares.
As figuras, em escala correta, vão nos dando a noção dramática do quanto somos pequenos no Universo. Vale a pena visitar e principalmente refletir sobre isso. Sobre a nossa "grande insignificância"...
Pensei então no caminho inverso. O quanto estamos distantes do universo microscópico que nos cerca. Ao contrário do que isso poderia fazer supor, nossa auto-estima não se beneficia do nosso tamanho frente a esse mundo de Lilliput. Enquanto vamos diminuindo as distâncias e as unidades de medida vão passando de milímetros a micra, depois a angstron, picometro, femtometro, attometro, sucessivamente, vamos penetrando num outro universo da matéria. Tão rico e essencial quanto o Universo cósmico. Tão poderoso e tão necessário ao equilíbrio de tudo o que existe.
Nós somos apenas parte infinitesimal, dessa extraordinária ordenação. Dependemos completamente dela e não temos o menor controle sobre nada que acontece abaixo ou acima de nós.
A macro fotografia não é nenhum microscópio eletrônico, nem uma lente atômica poderosa que nos leve a este mergulho. Mas pode ilustrar um pouco como apenas uma mudança de perspectiva nos dá novos olhares ao mundo em que estamos. Clique nas fotos para ampliá-las.




Um silo nuclear? Uma nova
construção da arquitetura
pós-moderna? Um tipo de veículo
aeroespacial?...
Não: a ponta da minha caneta BIC...







Um míssil nuclear? Algum tipo de objeto para uso erótico?...
Não: o mini plugue do fone de ouvido do meu toca MP3.











O olho mecânico de um cyborg japonês?
Não: o micro-parafuso de fixação da haste dos meus óculos.












Uma anêmona do mar?... A vegetação exótica de uma ilha do Pacífico?...
Não: as cerdas da minha escova de dentes velha...

sábado, 11 de novembro de 2006

BLACKBIRD

Blackbird singin´ in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise



A Alessandra Alves, publicou um artigo intitulado "Que música marcou sua vida?". É um tema muito interessante e muita gente deixou seu testemunho lá.
Todo mundo tem uma relação afetiva com as canções, além do simples critério estético, do "gosto/não gosto". Música - assim como cheiro - é muito evocativa. Basta ouvir uma canção e lembramos de tudo o que acontecia enquanto ela tocava: as sensações que sentimos, quem estava lá. Toda a cena se apresenta como num filme.
Não deixei meu depoimento, pela dificuldade que tive em selecionar uma única canção que tivesse marcado minha vida. Foi impossível pra mim. Lembrei de umas doze, assim fácil, fácil. Qual delas seria "a" canção? Não soube dizer.
Mas esse exercício me fez lembrar de uma com a qual tive experiência muito estranha: Blackbird. A canção é uma das peças mais lindas, delicadas e pungentes dos Beatles. Aliás, é só do Paul. Foi composta com uma estrutura de música barroca, inspirada em Bach e nas técnicas de fuga e contraponto em que o alemão foi mestre maior. O arranjo é feito para violão, voz, pé e pássaro. Explico. Diz a lenda que uma batida no fundo, marcando o compasso, não vem de um metrônomo como parece, mas é o pé de Paul batendo num banquinho, onde foi colocado um microfone pra captar as batidas. O pássaro é um melro, o próprio pássaro preto, que faz seu canto melancólico no final e foi retirado de uma gravação de arquivo da EMI.
A parte do violão tem alguma dificuldade técnica, por ser um solo em contraponto com a melodia cantada e nós, adolescentes que estudávamos violão, fazíamos de tudo pra conseguir tocar e cantar ao mesmo tempo. Era muito difícil. Mas, de tanto que eu gostava da música, de tanto que ouvi e estudei, acabei conseguindo, com a ajuda de um amigo que fazia violão clássico. Aquilo foi uma façanha. Tocar Blackbird nas festas passou a ser minha marca registrada. Sempre que havia um violão por perto - e sempre havia - no meio daquele monte de músicas do Chico, do Vinícius, do Tom, no meio daqueles "barquinhos", "carolinas", "retratos em branco e preto", "waves" e "corcovados", alguém sempre pedia: "Toca Blackbird!!!" A turma parava pra ouvir. Era um sucesso porque a música é linda e impressionava. No meio da batidinha da bossa nova ela vinha com um caráter mais solene e o pessoal fazia um silêncio respeitoso, como as platéias de música erudita. Eu tocava e cantava com tanto prazer que a música parecia minha. E isso dava prestígio, o que fazia muito bem pro meu ego adolescente.
Os anos passaram e, já com uns quarenta e poucos anos, fui tocar numa banda de amigos, em que toco até hoje. Alguns são daquela época e me viram tocar Blackbird nas festinhas. A banda tem repertório de rock e pop dos anos sessenta e setenta. Um dia, resolvemos participar de um festival Beatles, promovido pelos fã-clubes daqui. Alguém lembrou do Blackbird e a música foi inscrita no repertório. Achei o máximo. Pensei comigo: "Vou arrasar", lembrando do sucesso que fazia na época em que tocava nas festinhas. E me preparei, o que não foi difícil, porque nunca mais esqueci da música. Apenas ensaiei pra ficar bem limpa e sonora, com uma execução fluida.
O repertório da apresentação tinha umas oito canções e Blackbird foi colocada bem no meio. Seria um momento de impacto, onde todos os componentes da banda sairiam do palco e eu, só com o violão, faria o número. Depois de umas três músicas agitadas, com as guitarras amplificadas, bateria, baixo e teclados, a entrada desse momento seria um contraste bonito e delicado, pra depois fazermos a segunda parte e terminarmos de maneira apoteótica com Help ou Back in The U.S.S.R. .
As três primeiras músicas foram muito bem. O público - todo de músicos das outras bandas - aplaudiu e gostou. Foi aí que a coisa aconteceu. De repente, me vi só, no centro do palco. Ninguém do meu lado. Os refletores jorravam uma luz forte e quente sobre a minha cabeça. O público desaparecera, engolido pela escuridão. E fez-se um silêncio aterrador. Fiquei alguns segundos parado, a cabeça vazia. Olhei para o lado e vi meus companheiros amontoados na coxia com uma cara meio ansiosa. Um deles fez sinal pra mim com a mão: "Vai...começa..." Tentei. Nada. Tentei outra vez. Um som começou a se ouvir, mas parecia vir de outro lugar. Via meus dedos percorrendo as cordas, mas fazia isso com uma dificuldade impressionante. Não conseguia comandar os movimentos que conhecia tão bem. A música foi se desenvolvendo mas cheia de tropeços, posições erradas, notas que não eram tocadas. A voz veio trêmula, baixa. Travei. Foram os dois minutos mais longos da minha vida. Quando dei o último acorde, o silêncio se fez de novo. A única coisa que pude fazer, foi dizer ao público: "Desculpem os erros. Foi muita emoção." O pessoal aplaudiu, mas eu saí dali arrasado. Como pode ter acontecido isso numa canção que eu tocava e cantava há tanto tempo? Que sabia mais do que de cor? Uma música que estava definitivamente incorporada em mim?
Até hoje, não tenho explicação lógica para o fato. E não quero arriscar as ilógicas. Porém, nunca mais toquei Blackbird em público. Só dentro do quarto, sozinho. E sai linda, linda. Como sempre saiu. Menos naquela noite...