"O HORROR...O HORROR"
Francis Copolla, sobre quem já falei aí em baixo , está terminando novo filme, depois de ficar desde 1997, sem dirigir e sem aparecer.
Por conta do lançamento do pacote de DVDs "Apocalypse Now - The Complete Dossier", apareceu para as coletivas.
Li isso hoje na Folha e o que me chamou a atenção foi uma declaração dele sobre os filmes de guerra em geral: "Todo o filme de guerra é um filme anti-guerra, pois descreve incidentes horríveis e o mais profundo de todos, a morte de uma pessoa jovem".
Quando li esta frase, imediatamente lembrei dos primeiros quinze minutos de "O Resgate do Soldado Ryan". Nada me impressionou tanto como estes poucos minutos de filme. Aquelas cenas me deixaram completamente chocado. Spielberg, inteligentemente, usou a câmera subjetiva, sem o "steady-cam" - aparato que estabiliza o movimento, permitindo que o camera man, ande ou corra filmando sem tremer - de forma que as cenas ganham uma credibilidade de reportagem da CNN. É como se a gente estivesse em plena praia de Omaha, na Normandia, no meio daquele inferno. Enquanto Copolla passa uma atmosfera de horror, em Apocalypse Now, mas sem ser explícito, Spielberg opta por uma imagem despudorada, crua. Embora esta escolha pudesse levar a uma violência gratuita e apelativa, isso não acontece. A violência extrema realmente faz parte da guerra. O comportamento dos soldados frente à seqüência de mutilações é absolutamente profissional. Nenhum entra em desespero ou parece chocar-se com a morte bárbara do companheiro ao lado. O médico do pelotão vai passando em revista uma seqüência de corpos inertes, rastejando pela areia com as balas zunindo sobre sua cabeça e burocraticamente orienta um soldado assistente sobre o que fazer com cada um dos feridos - descartando os agonizantes - como se estivesse calmamente andando no corredor de um hospital.
Fica claro que aquela violência excessiva faz parte da lógica da guerra. É como se todos a esperassem. Ou os protagonistas de tamanha barbárie ficam tão anestesiados que parecem não se dar conta do horror que os cerca.
A força das imagens de Spielberg reside numa hiper-realidade. Ainda que seja uma hipérbole, o horror é tamanho que, mesmo descontando-se em muitos pontos a retórica do discurso cinematográfico, sobra muita tragédia para ser creditada à guerra real, como ela deve realmente ser. E, note-se, nesse primeiro momento do filme a carga dramática ainda não existe: não conhecemos os personagens, ainda não nos identificamos com sua humanidade nem com suas histórias pessoais, não estabelecemos nenhum vínculo de empatia com aqueles homens que possa nos fazer solidários com eles. Mal nos foram apresentados. Não sabemos ainda se têm filhos, irmãos, se deixaram suas mulheres ou noivas... Sua história ainda vai ser contada. Nesse momento, apenas as imagens - hiper-realistas - são os veículos do drama que se desenrola. O horror da guerra basta por si só, é trágico por si só, mesmo que ainda não reconheçamos a tragédia oculta na morte de cada soldado.
É por isto, por este horror sem limites, que "todo filme de guerra é um filme anti-guerra". Se cada mãe de cada recruta, de ambos os lados de uma guerra, pudesse ver filmes como esse, duvido que essa guerra aconteceria. Duvido que essas mães encontrassem algum argumento que justificasse a morte e a mutilação dos corpos de seus filhos.