quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

TOM WAITS RIDES AGAIN

Há algum tempo, escrevi aqui sobre um lindo e maravilhoso fracasso de público e crítica. O filme "One From the Heart", do Coppola.
Nesse texto, falo muito da trilha do filme, composta e cantada por Tom Waits. Essas canções me impressionaram demais na época e lá eu explico porquê.
Agora, leio em Piauí um artigo contundente sobre o compositor, escrito por Simon Schama, professor da Universidade de Columbia. No artigo, Schama esmiuça em letras, e em detalhes, tudo o que senti apenas ouvindo a voz rouca de Waits naquelas canções. Era tudo o que queria dizer sobre ele e não sabia como.
Simon Schama sintetiza Waits, numa frase memorável: "As ruínas rascantes da voz de Tom Waits nos levam aos recantos mais escondidos da psique americana".
Isso é lindo mas o artigo inteiro precisa ser lido.
Se quiser fazer isso, clique aqui.

Aí em baixo, duas das melhores canções do filme.
Haja fossa!




sábado, 10 de fevereiro de 2007

FAÇA A SUA PARTE! E REZE...

Prometi à minha amiga Andréa N., a linda autora do delicioso In Other Worlds, que iria participar de uma corrente, iniciada no Faça a sua Parte, cujo objetivo é aumentar e difundir a consciência ecológica.
A corrente consiste em divulgar três atitudes ecoconscientes que adotamos em nossas vidas. Publicá-las e passar adiante para, pelo menos, três amigos, de maneira a difundir o tema.
Sou um pouco chato. Ao longo da vida, de queda em queda, fui atingindo um grau muito grande de ceticismo em relação ao gênero humano.
De forma que, a convocação para esse tipo de evento passou a me parecer tão bonita quanto inócua. Admiro a persistência e a esperança de quem se envolve neles. Mas, simplesmente, não acredito.
Sinto-me mal com isso. Essa desesperança é vista com maus olhos. É percebida como uma atitude destrutiva, não colaborativa, como um boicote. É como se eu fosse contra o movimento e estivesse deliberadamente sabotando, com idéias pessimistas e negativas.
Bem, isso não é verdade. É que acredito muito mais na capacidade transformadora da reflexão. Meu espírito, nessas horas, é muito mais científico. A ciência, por natureza, é cética. Só acredita em provas absolutas. E, principalmente, na busca das causas dos fenômenos e não nas suas manifestações mais visíveis.
Assim, prefiro tentar pesquisar os "porquês", acreditando que, conhecendo as causas, poderemos combater melhor seus efeitos.
Por quê o homem aje assim? Por quê teima em destruir o próprio ambiente numa atitude suicida? Pior: genocida. Ouço falar em aquecimento global, efeito estufa, emissão de dióxido de carbono, destruição de florestas e tudo isso há, pelo menos, trinta e cinco anos! Estudei isso no colegial, gente. Isso foi em 1970!!! Por quê, sabendo disso há tanto tempo, ninguém fez nada para deter o processo. Por quê só agora, quando começam a aparecer os primeiros sinais da hecatombe anunciada, passamos a falar - alarmados - disso tudo? Ninguém sabia?
Então, o que acontece? Burrice? Premeditação? Interesses econômicos? Quem ganha com isso? Por quanto tempo? Não haverá ninguém para aproveitar os lucros da devastação, daqui a parcos cem anos!! Na verdade, não haverá lucro, porra nenhuma. Daqui há pouco, muito pouco mesmo, nós - os ecoconscientes - estaremos agonizando com desidratação, fome e câncer - provocado pela radiação solar ou por pesticidas organo-fosforados, ou ainda por carnes e cereais transgênicos - bem ao lado de um ecodestruidor, tão fraco que não consegue levantar a motosserra na sua mão. Todos poeticamente irmanados na mesma dor. E nossas carcaças semi-mortas, ficarão entregues às baratas, aos ratos e aos urubus. Não, nem isso. Só às baratas, que dizem resistir até a guerras nucleares, de tão fortes. Os ratos e urubus estarão apodrecendo ao nosso lado ou boiando afogados na onda gigante do último maremoto.
Essas perguntas são de difícil resposta. Digo por mim, que sou um ignorante. Mas, outros mais inteligentes e com mais informação trazem alguma luz à questão. Contardo Calligaris, psicanalista e colunista da Folha de São Paulo, escreveu em sua coluna da última quinta-feira, uma idéia do que se passa na mente humana, sobre essa questão. Sugiro a todos a leitura integral do artigo, que tem sua versão eletrônica disponível aqui, para os assinantes do jornal ou do provedor UOL.
Para os que não têm esse acesso, resumo suas idéias básicas.
O autor parte da tese, a meu ver correta, de que a solução dos problemas ambientais, depende de uma atitude coletiva. Isso parece óbvio, mas é o grande obstáculo. Vejam o que diz Calligaris:

"Os humanos (sobretudo na modernidade) prosperaram num projeto de exploração e domínio da natureza cujo custo é hoje cobrado. Para corrigir esse projeto, atenuar suas conseqüências e sobreviver, deveríamos agir coletivamente. Ora, acontece que nossa espécie parece incapaz de ações coletivas. À primeira vista, isso é paradoxal.
Progressivamente, ao longo dos séculos, chegamos a perceber qualquer homem como semelhante, por diferente de nós que ele seja. Infelizmente, reconhecer a espécie como grupo ao qual pertencemos (sentir solidariedade com todos os humanos) não implica que sejamos capazes de uma ação coletiva.
Na base de nossa cultura está a idéia de que nosso destino individual é mais importante do que o destino dos grupos dos quais fazemos parte. (grifo meu) Nosso individualismo, aliás, é a condição de nossa solidariedade: os outros são nossos semelhantes porque conseguimos enxergá-los como indivíduos, deixando de lado as diferenças entre os grupos aos quais cada um pertence. Provavelmente, trata-se de uma conseqüência do fundo cristão da cultura ocidental moderna: somos todos irmãos, mas a salvação (que é o que importa) decide-se um por um. Em suma, agir contra o interesse do indivíduo, mesmo que para o interesse do grupo, não é do nosso feitio. (grifo meu)
Resumo do problema: hoje, nossa espécie precisa agir coletivamente, mas a própria cultura que, até agora, sustentou seu caminho torna esse tipo de ação difícil ou impossível."

A observação mais prosaica parece comprovar o que Calligaris diz no seu texto. É no tráfego urbano que mais dependemos da ação coletiva. De que adianta eu transitar corretamente na faixa da direita, em velocidade permitida e na correta mão de direção, se os demais não fizerem a mesma coisa. No entanto, um humano dentro de seu carro, passa a ser o emblema mais bem acabado da individualidade egocêntrica e perversa. Justamente na situação em que ele deveria agir de maneira mais coletiva possível, para que o grupo dos que estão dirigindo - e do qual faz parte - tenha um mínimo de segurança e ordem. Lembro de um desenho que passava na televisão da minha infância. Era narrado em off e mostrava o Pateta, com aquela cara de sonso e bocó, caminhando lentamente para o carro. Ele entra e, no exato instante em que vira a chave na ignição, sua face se transforma: adquire uma expressão enlouquecida e diabólica, com um sorriso sarcástico. Arranca cantando os pneus e sai por aí fazendo barbaridades. O locutor vai didaticamente mostrando o que é certo e errado, ilustrado por uma sucessão de atitudes individualistas do Pateta-Monstro. Depois de provocar mil acidentes fatais com sua falta de educação e de espírito coletivo, ao sair do carro, volta a ter sua cara de pateta, sonso e sonolento. A mais inofensiva das criaturas.
É isso o que somos: monstros individualistas, travestidos de cidadãos conscientes. O resto é hipocrisia. E, digo mais. Só aceitando esse nosso lado escuro (ou seja, reconhecendo a causa), sabendo que ele existe em cada um de nós, é que poderemos controlá-lo (vejam que não disse eliminá-lo) e tentar uma atitude que beneficie o grupo, mesmo que nos prejudique como indivíduos.
Mas não se iludam. Isso só vai acontecer quando as águas baterem em nossos umbigos. Não no sentido figurado. Só quando a última geleira derreter. Só quando o Empire State, a Torre Eiffel, a Esfinge, o Palácio de Buckingham e o Pão de Açúcar estiverem submersos. E quando as dunas escaldantes da floresta Amazônica estiverem sendo percorridas por alguns camelos sedentos, à procura de um improvável oásis.
É isso. Só nos moveremos em uma atitude coletiva realmente transformadora, se nossa sobrevivência individual ficar ameaçada. Nunca por altruísmo ou para a preservação da nossa espécie. Mas então, pode ser tarde.
Contardo Calligaris continua:

" Não sou totalmente pessimista. [...] ...quem sabe a mudança climática nos obrigue (grifo meu) mesmo a transformar nossa cultura."

Só tomaremos uma atitude coletiva, obrigados!
Que o meu pessimismo e a minha amargura provoquem em vocês tal indignação que, ao comentar minha falta de fé no movimento, consigam difundir mais ainda as idéias maravilhosas que vocês têm sobre a preservação ambiental. Essa é a contribuição que posso dar.

Ah! A propósito: separo lixo reciclável, não desperdiço comida, não fumo e sou um cidadão respeitador da lei.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

CAMINHOS E ENCRUZILHADAS

Há quem acredite que o que somos hoje é resultado da somatória das escolhas que fizemos ao longo da vida. Dizem até que, no astral, escolhemos deliberadamente nosso casal de pais .
Sinceramente não sei dizer se escolhi meu pai e minha mãe, mas, seguramente, eles tiveram grande influência no que sou hoje. Para o bem e para o mal.
Com temperamento dócil e natureza pacífica, sou o único filho de um pai centralizador e voluntarioso e mãe submissa e super-protetora. Guardem estas informações, para ler o resto da história.
Quanto à afirmação de que cada escolha minha determinou "a dor e a delícia" de ser o que sou, tomo-a com reservas. Que tipo de escolha qualquer pessoa pode fazer aos seis meses, por exemplo? Chorar ao primeiro sinal de fome ou dar um tempinho pra mamãe extenuada? Fazer cocô agora ou esperar trocarem a fralda, pra irritar? Aos cinco anos não escolhemos nem que roupa vestir.

Do que me lembro, a primeira escolha realmente importante e que poderia ter dado um rumo completamente diferente à minha vida, foi feita nos meus 13 anos. Mesmo assim, não foi exatamente uma escolha; foi uma "não escolha", o que pode ser pior.

Esta é uma idade bem conturbada. Repleta de mudanças interiores estrondosas. Nesse ambiente de guerra, com bombas explodindo dentro de mim, meu pai "escolheu" que eu deveria estudar em um colégio particular de ponta, pra me preparar melhor para a vida. Isso dentro do conceito dele do que seria "preparar-se melhor" e de que tipo de vida ele "escolhera" para mim.

Acabara de enfrentar uma seleção pior do que qualquer vestibular para ser admitido no melhor colégio público da região. Lembro até do tamanho da encrenca; os números ficaram gravados na minha mente: cinco mil candidatos para cem vagas. Eu teria de eliminar cinqüenta caras para ter o direito de sentar em uma carteira velha e apertada, de madeira dura, e ficar cinco horas por dia ouvindo preleções sobre assuntos totalmente desinteressantes, feitas por professores cansados e nervosos que recebiam um salário de subsistência e detestavam crianças dessa idade.
Para isso, tinha passado o longo e tenebroso ano anterior em um cursinho preparatório que garantia aos pais, sucesso absoluto no tal exame de admissão. Cumpria o que prometia. Seus cem alunos preenchiam de A a Z as cem vagas existentes. Para atingir essa excelência de resultados, montavam uma espécie de campo de concentração para menores, onde o castigo físico e a humilhação eram usados sistematicamente como instrumentos de "estímulo ao estudo", com ciência e anuência explícita dos pais. Sim, eles eram avisados de que levaríamos porrada.

Como podem ver, até agora não fiz nenhuma escolha e aderi incondicionalmente às escolhas feitas por outros.
Depois de todo esse sacrifício e da tamanha vitória recém conquistada, deveria abandonar tudo, inclusive meus amigos, com quem jogava bola nos campinhos de terra batida, brincava de guerra de mamona e fazia leitura coletiva e clandestina dos catecismos do Carlos Zéfiro; deveria largar tudo isso, para percorrer diariamente 50 quilômetros - o que implicava em acordar duas horas mais cedo e chegar duas horas mais tarde - para estudar em um colégio forte, de tradição, conviver em um ambiente de colegas hostis (pelo menos é o que eu achava) e passar o resto das minhas poucas horas estudando um volume enciclopédico de matérias, até que conseguisse passar no próximo vestibular.

Para ser admitido nesse colégio, era preciso passar por um exame de conhecimentos e outro de avaliação psicológica. Este último, era aquele famoso teste dos borrões (hoje sei que se chama Teste de Rorschach) , no qual, umas pranchas com borrões de formas abstratas são apresentadas ao candidato e ele deve dizer o que vê em cada uma delas. A interpretação do teste parece ser difícil e exigir grande preparo do avaliador, mas, basicamente, consiste em julgar a personalidade do indivíduo por aquilo que ele consegue "ver" nos borrões. Lembro de que não via nada além do borrão, mas fazia um esforço supremo pra dizer alguma coisa, porque pensava: "Se eu não vir nada aqui, esse cara não vai me deixar passar no teste". Por mais que me esforçasse para ser criativo, só consegui ver duas coisas em todas as pranchas: morcegos e... borboletas. Até hoje não sei o que isso significa. Será que borboletas indicam tendências homossexuais ou isso aconteceria se eu tivesse visto, por exemplo, libélulas? Serão os morcegos projeções de uma psique doentia e obscura, com tendências homicidas ou apenas o resultado contaminado pelo gibi do Batman que eu viera lendo no caminho? O fato é que não devem ter visto nada muito comprometedor, porque, depois de uma curta espera, nos mandaram ir para a sala de matrícula.

Foi então que aconteceu o momento mágico. Não sei se foram os borrões ou a busca desesperada para ver qualquer coisa (ou me ver) neles, mas algo muito forte se moveu dentro de mim. Uma espécie de terremoto interno. Esse movimento fez abrir à minha frente a primeira das milhares de encruzilhadas, atalhos e bifurcações que a vida apresenta, para que a gente escolha qual dos caminhos seguir. Sem nenhuma indicação de onde vai dar, sem mapa e sem GPS. De modo que a gente nunca sabe - nem nunca vai saber - se aquela era mesmo a melhor escolha. Perverso, não?

Nessa idade eu já adorava fotografia e fazia meus ensaios com uma Kodak Instamatic. Por ironia, meu pai tinha me levado a visitar, na semana anterior, um dos maiores - talvez o maior - estúdio fotográfico publicitário de São Paulo, na época. Era uma verdadeira mansão. Seu galpão de fundo infinito comportava até vários caminhões. O laboratório e os equipamentos eram o que existia de mais avançado e sofisticado: Ampliadores Durst (vários), câmeras Hasselblads (umas cinco), com todos os tipos de lente, duas Linhoff de fole para cromos de até 9 x 12. Todos os meus sonhos estavam ali.

O dono do estúdio era um catalão chamado Marcel Giró. Quando era fotógrafo amador, fizera as fotos do casamento dos meus pais, por amizade. Morava numa cidadezinha do interior, onde tinha uma pequena indústria. Na crise que se seguiu à queda da bolsa de Nova York, em 1929, perdeu tudo o que tinha, menos a sua Rolleyflex de lente dupla. Sem perspectiva, veio para São Paulo e começou a trabalhar com a única coisa que sabia fazer e com a única ferramenta que lhe tinha sobrado: sua Rolley. Entre os anos 50 e começo dos 70, num ambiente de franco crescimento econômico e uma mudança radical na cultura da publicidade, onde a imagem passou a ser o grande instrumento de comunicação, Giró, talentosíssimo e inteligentíssimo, pegou a onda e construiu o que havia de melhor em foto publicitária no país. Além disso, foi um fotógrafo de arte respeitado, tendo ganho vários prêmios internacionais.
Sentei em uma cadeira na sala de matrícula, ao lado do meu pai que conferia os documentos exigidos. Fiquei uns instantes com o olhar perdido. Quem me visse, diria que eu estava "viajando". Mas, a visão que eu tinha era clara: dois caminhos, dos quais eu só via os primeiros cinco metros: um me levaria à mesa da secretária, logo ali em frente; o outro me levaria aos meus sonhos. Aquele movimento interno continuava tão forte, que, pela primeira vez, ousei contestar uma "escolha" do meu pai. Timidamente, quase já me desculpando, virei para ele e disse:

- Pai... eu não quero...
Ele desviou os olhos da papelada:
- Não quer o quê?
- Não quero me matricular.
- Como assim?
- Não quero vir pra esse colégio. Eu quero fazer fotografia. Quero ir trabalhar com o Giró.
Estas três últimas frases sairam num jato só. Rápidas. Meu coração batia acelerado e forte. O golpe, fulminante e violento, estonteou o velho. Ficou olhando para os papéis da matrícula, sem dizer nada, o rosto impassível. Eu olhava para sua face, tentando adivinhar de que lado viria o tapa. Ao mesmo tempo, sentia uma expectativa alegre, como quem torce pra ouvir seu número num sorteio. Não sei quanto tempo durou este silêncio. A reação do meu pai foi a menos esperada. Quando falou, as palavras sairam baixas e calmas.
- Bom, isso é uma coisa que você tem de decidir agora. Não posso pagar essa matrícula cara e assinar o contrato se você não vai ficar aqui.
Como? Eu, decidir? Eu podia decidir? Podia escolher? Que história é essa? Enquanto eu pensava nisso, aturdido, ele acrescentou.
- Só que tem uma coisa. Deixar de estudar, você não vai. Vai ter que estudar à noite. Quer ir trabalhar com o Giró, hoje mesmo eu falo com ele. Ele deve estar precisando de um garoto pra varrer o estúdio ou ajudar a montar os tripés.
Eu ouvia, sem retrucar.
- Você não está pensando que vai trabalhar naquele estúdio como fotógrafo, né? No máximo, vai ficar como auxiliar de laboratório ou contínuo pra servir café e ir ao banco. Com o tempo, talvez...
Mas é muito difícil. Ele já tem equipe, como você mesmo viu. Contou quantas pessoas preparadas trabalham naquele estúdio? Que chance você acha que tem? E outra. Eu ia pagar uma perua para você vir para o colégio. Mas, se você for trabalhar, vai ter que pegar trem e ônibus. A perua a gente racha com os outros pais. Mas não tem perua para o estúdio, né?
À medida em que ele falava, aquele movimento interno foi cessando. Meu coração retomou o ritmo normal. A visão onírica da minha vida como fotógrafo foi se esvanecendo e os dois caminhos foram se tornando um só. Levantei e caminhei em direção à mesa da secretária. Meu pai me seguiu.

Como disse, foi uma "não escolha". Neguei meu sonho. Não paguei pra ver. Minha "não escolha", naquele momento determinou um caminho para mim. Não há julgamento crítico, nisso. Não tinha, então, estrutura interna pra comprar a briga. Tive medo do que poderia acontecer após a primeira curva. Fiz uma fantasia de que, se não desse certo, estaria sozinho e não poderia voltar. Optei pela segurança. Fiz mal? Fiz bem? Como disse, nunca vou saber.
Porém, anos depois, soube de fatos que me deram uma pista de que aquele caminho do estúdio do Giró, poderia ter sido um bom caminho.

Naquele mesmo ano, ou um pouco depois, veio para o Brasil um garoto catalão, nascido em Barcelona . Chamava-se José. Deviam ser amigas, já na Catalunha, a família Giró e a família de José. O fato é que ele, menino ainda, quase da minha idade, foi trabalhar no estúdio que me fizera sonhar. Não sei se varreu o chão, se limpou banheiro, se montou e desmontou equipamentos, se ficou inalando ácido acético dentro da câmara de revelação ou se foi ao banco pagar as contas do chefe. Cumpriu seu caminho e ficou lá aprendendo. Enquanto isso, eu também cumpria o meu.

O menino José hoje é mais conhecido pelo seu nome artístico: J.R. Duran.