sábado, 31 de março de 2007

HARMONIAS DIVINAS

Um dos instrumentos mais lindos que conheço é a voz humana.
O canto - a melodia executada pela vibração das cordas vocais - é alguma coisa de divino.
E dentro das modalidades de canto, a execução à "capella", sem acompanhamento instrumental, é uma das coisas mais tocantes e emotivas que se pode ouvir.
Sabendo disso, desse efeito explosivo na emoção, a Igreja desde sempre utilizou o canto como forma de propagar a palavra de Deus.
Na Idade Média, as primeiras formas de canto litúrgico foram baseadas no canto grego e, por volta do século IX, surgiu o canto gregoriano, assim chamado por ser atribuído ao Papa Gregório, que o teria incorporado definitivamente à liturgia.
O canto gregoriano caracteriza-se por ser entoado em uníssono, isto é, uma monofonia. Todo o coro emite a mesma nota da melodia, na mesma altura, sem nenhum intervalo. Isso se prestava muito para a veiculação dos recitativos e orações. Dessa forma, a palavra era o elemento mais importante da canção.
Durante muito tempo, a Igreja - poderosíssima na época - legislando sobre tudo, proibiu a polifonia. A harmonia gerada pela polifonia - emissão de duas ou mais notas com intervalos de terças, quartas ou quintas, era considerada frívola, herege e lasciva. Um obstáculo à compreensão da palavra de Deus veiculada de forma monótona pelo canto gregoriano monofônico.
Felizmente, Deus era mais sensível e inteligente do que a Igreja e mandou a Renascença. Com ela, a polifonia ganhou espaço a tal ponto, que a própria Igreja resolveu aderir à nova moda, já que os fiéis preferiam muito mais a música polifônica, já totalmente ambientada nas canções profanas.
O encontro de notas formando acordes, especialmente quando emitidas pela voz humana, é capaz de levar nossa alma a estados de verdadeira elevação, independente do caráter sacro ou profano do canto.
Tenho verdadeira adoração por harmonia vocal. Penso que é um dos trabalhos mais lindos e difíceis que se pode fazer em música.
Existem, hoje, muitos conjuntos e grupos especialistas nesse tipo de trabalho. Pra ficar apenas nos contemporâneos, cito o Take 6 e o Manhattan Transfer. No Brasil, tivemos há algum tempo, o Quarteto em Cy e o MPB4. São muitos mesmo.
Porém, existem dois grupos cujo trabalho acho pouco conhecido aqui no Brasil, embora um deles seja brasileiríssimo.
O primeiro é um conjunto italiano chamado NERI PER CASO. Tem um trabalho precioso e original que soma harmonia vocal com percussão bucal e corporal. O resultado é absolutamente criativo e cheio de personalidade. O baixo funciona como o verdadeiro instrumento e, em alguns momentos, é difícil acreditar que sejam apenas vozes o que ouvimos ali.
Deixo aqui dois exemplos do virtuosismo desse pessoal. A primeira canção chama-se CENTRO DI GRAVITA PERMANENTE e a segunda é a versão mais saborosa que já ouvi de WHITE CHRISTMAS, que considero a mais linda canção popular americana sobre o tema. Clique nos links e ouça. Vale muito a pena.
O outro grupo tem uma história interessante. É o brasileiro TRIO ESPERANÇA, que nos tempos da Jovem Guarda, cantava bobagens infantis como a "Festa do Bolinha" e a ridícula "Filme Triste". Quem tem menos de quarenta e cinco anos e não conhece essas músicas não deve procurar conhecer, nem por curiosidade. Acontece que, após o fim do grupo, sua cantora mais talentosa , Evinha, fez uma carreira solo de relativo sucesso cantando uma linda canção de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, chamada TELETEMA, além da delicada CASACO MARROM. Porém, Evinha estourou mesmo defendendo a maravilhosa CANTIGA POR LUCIANA, de Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, que ganhou o 1º lugar no IV FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO, em 1969.
Evinha partiu para uma carreira internacional e acabou se casando com o pianista da orquestra de Paul Mauriat - com quem excursionou pela Europa e Japão - e fixou residência na França. Ficou muitos anos sem cantar, mas um dia resolveu reviver o Trio Esperança. Chamou duas de suas irmãs, Marisa e Regina, e gravou dois Cds à capella. É um trabalho de harmonização vocal fantástico, com arranjos sofisticadíssimos e dificílimos. Não teve muita repercussão no Brasil, mas parece ter feito mais sucesso na França. A amostra é a jobiniana ÁGUAS DE MARÇO. Sem comentários.
Pra terminar, a segunda música do Trio Esperança que deixo aqui, é um presente para um lindo casal de amigos. Ela, como a Evinha, é brasileira e, também como a Evinha, casou-se com um francês. Chama-se Gabi e é a autora do lindo blog Quase Vida. Ele é o Gaël, grande fotógrafo, como vocês podem conferir, clicando aqui. Ambos estão ansiosamente esperando a pequena Flora, que deve nascer em breve. Chama-se LA LUNE EST MORTE - uma canção infantil, cantada em francês, por brasileiras. Penso que a Flora vai gostar de ouvir. Também estou ansioso pra saber. Gabi e Gaël, depois me digam se acertei.

Ouvindo essas quatro canções à capella, com essas harmonias vocais, fico pensando como a Igreja pôde, por tanto tempo, considerar a polifonia coisa do demo...
Era a Idade das Trevas, mesmo.

sábado, 17 de março de 2007

NÃO TENHO PALAVRAS...

Ando sem palavras.
Dizem que "uma imagem vale por mil palavras".
Acho discutível e já vou dizendo que não concordo. É bom tema para um próximo texto, quando as palavras voltarem.
Como não as tenho (as palavras) no momento, deixo três imagens para vocês.
Pra quem acredita na frase, isso deve valer por três mil palavras.
Quem não acredita, fique com as imagens.

As fotos abaixo não foram feitas em nenhuma praia paradisíaca do Hawaii, nem em uma ilha caribenha, nem mesmo no litoral sul da Bahia. Nem, tampouco, no maravilhoso litoral norte de São Paulo.

Esses lugares badalados e cantados em prosa e verso, merecem sua fama. São mesmo lindos.


C
ontudo, a Natureza é generosa. Distribuiu seus tesouros por todos os lugares.
Essa prainha esquecida e sem nenhuma fama, nenhum glamour, sem badalação e sem prestígio nenhum pode também, ser bonita.


A Natureza faz a sua parte.
O resto depende do olhar de quem vê
.




















* Clique nas fotos para ampliar. Se quiser copia-las, por favor cite a fonte e o autor. Obrigado.

sexta-feira, 9 de março de 2007

ANOTHER BRICK IN THE WALL

Se eu disser que alguém tem espírito científico, qual é a imagem que vem à sua mente? Provavelmente alguém com a camisa abotoada até o pescoço, vestindo um avental tão branco quanto a própria pele, usando óculos e totalmente desinteressante e apático. Pelo menos, este é o estereótipo.
Esse mesmo cara, quando era garoto, no mais das vezes era classificado como um "nerd" babaca. Sentava nas primeira carteiras, era comportadinho e só tirava notas boas. Os "espertos" faziam roda em volta dele nas provas, pra poder colar. Tinha um comportamento dócil, obediente e passivo. Não questionava nada. Era o "bonzinho". Pelo menos, este é o estereótipo.
É claro que estereótipos são modelos criados a partir do preconceito e de falsas generalizações. Contudo, estes rótulos têm força arquetípica em nosso imaginário. Embora sejam criados fora, por outros, e não brotem do nosso inconsciente, como os arquétipos, nós os adotamos como modelos de comportamento, de acordo com nossa maior ou menor identificação com o grupo ao qual pretendemos nos inserir. Isto é, nossas ações e comportamentos são o passaporte para sermos aceitos pelos outros como iguais. Muitas vezes à custa de enorme repressão aos nossos desejos e aspirações próprios. Pronto: estão instaladas as sementes das doenças psíquicas e emocionais de todos nós. Depressão, ansiedade, neuroses e, arriscaria, até esquizofrenias e comportamentos sociopatas, são frutos - entre outros fatores - de vivenciarmos um distanciamento de nós mesmos. Perdemo-nos de nossa identidade interna e não nos reconhecemos mais. Criamos uma persona que interage com o mundo, mas que é completamente diferente de nós mesmos. Para mantê-la viva e corresponder às expectativas do grupo, gastamos uma enorme quantidade de energia psíquica, o que nos deixa frágeis, ansiosos, depressivos, neuróticos e por aí vai. Claro que tudo depende do quanto permitimos que essa persona se apodere de nós.
Quando não permitimos nada disso, nem um pouco, o grupo nos rotula de rebeldes. Apenas, por agirmos de acordo com nossas convicções internas e não de acordo com as expectativas do grupo. É mais um estereótipo.
É justamente a dicotomia destes rótulos, "comportado ou rebelde", que tem me incomodado muito, especialmente no ensino acadêmico.
A busca de conhecimento, o tal "espírito científico" a que me referi na primeira linha, a expansão da cultura, enfim, o ato de aprender, tem para mim - ao contrário do estereótipo do "nerd", do aluno bonzinho, do "cu-de-ferro" - um sentido intenso de rebeldia . Para aprender realmente, o cara tem de ser um rebelde.
Só os rebeldes são questionadores. Não há maneira de buscar conhecimento e realmente entender as coisas, se não questionarmos as verdades pré-estabelecidas. Ciência, na verdade, é filosofia. Quer dizer, para se fazer ciência é necessário ter "mente filosófica". Aquele tipo de pensador que diz: "Eu vi isso. Mas será que eu vi isso mesmo?" Um intelecto treinado para, frente a uma afirmação de alguém, dizer: "Será que isso é exato?". O cientista é um cético por natureza. Não acredita nem nos fenômenos que ele próprio produziu. "Será que isso aconteceu mesmo?"
Só os rebeldes criam novos caminhos. E aprender de verdade é saber buscar novas soluções, tentar outras abordagens. Inventar. Por quê achamos Leonardo da Vinci, um gênio? Por quê entendemos que Thomas Edson ou Santos Dumont, ou Mozart, ou Tom Jobim, ou Ronaldinho Gaúcho, ou Elis Regina são gênios? O que essas pessoas têm em comum é a inquietude de buscar novos caminhos, embora já exista uma larga estrada - trilhada por todos os demais - bem ali à sua frente. Eles têm a coragem de criar, a coragem de inventar. Ir contra o senso comum e arriscar-se a ser rejeitados pelo grupo, o que na maioria das vezes acontece.
Depois de tantas revoluções culturais e comportamentais, ocorridas na segunda metade do século passado e da disseminação global dessas idéias, à custa de muita porrada em estudante, à custa de guerras e vidas humanas, depois da queda de quase todas as ditaduras do mundo, o que me preocupa é que vejo uma escola careta.
Não vejo, aqui em meu país, em nenhum nível educacional - do maternal à universidade - uma escola que estimule o aluno a questionar, pensar por si próprio. Buscar o conhecimento, mas refletir sobre a informação obtida. Não vejo a escola instigar o indivíduo a criar novas saídas. Não vejo a escola propondo discutir, confrontar idéias. Não vejo ninguém ensinar ninguém a pensar. Ao contrário, manda o mercado. Tem sucesso financeiro quem (diz que) coloca mais alunos dentro da universidade. Que tipo de gente entra nessa universidade? Que tipo de universidade essa gente faz? Que tipo de gente se forma, faz mestrado, doutorado? Que tipo de gente dá aulas para outros alunos que não pensam?
Nunca, na história do mundo, houve tanta informação disponível tão facilmente para tanta gente. Nunca houve tanta gente tão bem informada sobre tudo. As crianças, desde muito pequenas até a adolescência sabem tudo de tudo. Mas o que fazem com tanto (suposto) conhecimento? Pra que serve tanto saber sem a mente filosófica, sem a mente criativa, sem a mente inquieta para processar isso tudo e tornar este saber algo transformador. E o mundo nunca esteve tão necessitado de transfomação. Ou, por quê vocês acham que há cinqüenta anos se fala em aquecimento global e agora o fenômeno é manchete de jornais, como se tivesse aparecido o ano passado.
Os fatos já são terríveis por si só. Mas um medo maior me apavora. Cresce a cada dia, dentro de mim, a certeza de que essa atitude é premeditada e calculada. A velha teoria da conspiração vive me assombrando. E vejo em meus delírios persecutórios, uma grande muralha sendo construída tijolo a tijolo. À medida em que me aproximo dela, vejo que cada tijolo tem uma carinha. Cada um de nós é apenas mais um tijolo no muro.
Sou obrigado a concordar com o Pink Floyd!

WE DONT NEED NO EDUCATION! (assim, errado mesmo...)

Veja o clipe aí em baixo.