sábado, 29 de julho de 2006

FAZER POESIA NÃO É PRA QUALQUER UM, NÃO!

Fazer poesia é algo que não se ensina. Poeta nasce poeta. Só precisa aprender a escrever, pra poder botar a poesia no papel. Mas essa poesia já está pronta dentro dele, mesmo antes de aprender a falar. Porquanto a poesia é linguagem da alma - que ele já tem - e não do cérebro, onde desenvolve a habilidade de escrever.
Fazer poesia não é escrever bonito. Não é fazer rima, nem métrica. Muito menos inventar metáforas. Fazer poesia, como disse o Gilberto Gil, é usar palavras para, "dizer o indizível...atingir o inatingível...fazer caber o incabível".
E, se o cara não nasceu com o par de alelos que geram poetas, pode ler um monte de poemas, pode fazer oficinas literárias, cursos de redação, workshops de sensibilização, ou o nome que você quiser dar a essas vãs tentativas, às vezes até bem intencionadas. Não vira poeta, nem a pau!
Você mesmo pode fazer essa experiência. Escreva uma "poesia" ou o que você acha que seja uma poesia. Dê pra qualquer pessoa ler ou leia você mesmo, caso o destinatário não seja alfabetizado. Se, ao final da leitura, os olhos do destinatário-teste não brilharem, então não era poesia. Pode ser até que ele elogie, ache as palavras bonitas e as idéias originais. Mas, assim como na paixão, se não houver brilho no olhar, então não é paixão, então não é poesia.
Como muita gente, tentei fazer poesia, mais na tentativa de aliviar a dor do que de produzir qualquer coisa que prestasse. É claro que não serviu nem pra uma coisa nem pra outra. Estão em algum fundo de gaveta por aí, acho que junto com a declaração de renda do ano passado.
Um dia, tentando escrever pra aliviar mais uma dor, não conseguia nem fazer uma variação da "batatinha quando nasce".
Então, caí na real e, pra celebrar a tomada de consciência da minha própria mediocridade, cometi meus últimos versos, como um epitáfio para um poeta que nunca viveu. Segue abaixo, para o merecido escárnio dos leitores.



POEMA MEIA-BOCA

cheguei meio cheio
me sentia meio vazio
botei meio copo de uisque
e tentei fazer um poema
como o Paulo Leminski
mas sou só o Paulo C.
meio vazio, meio cheio
o poema ficou no meio

quarta-feira, 26 de julho de 2006

MATILDE

Quem vê o semblante suave, com o sorriso calmo e olhar pacífico, não imagina o quanto ela detestava ser fotografada. Suas fotos antigas, ainda moça, traziam uma mulher ereta, com o cenho carregado e a boca crispada. Era uma mania dela não se deixar fotografar ou, se fosse inevitável, fazer uma cara zangada como a vingar-se do fotógrafo que pedia o indefectível sorriso. Ela não dava.
Por isso estranhei quando pedi o retrato já prevendo a recusa e ela concordou sem nenhuma condição. Nem acreditei. Mais do que concordar, abriu o sorriso e entregou-me a cara mais linda e doce que jamais vi. Por sorte a câmera estava pronta.
A fotografia capturou um momento fugaz no qual ela se permitiu - talvez pela única vez na vida - tirar a fantasia e mostrar sua alma carinhosa e plácida.
Contavam histórias
inverossímeis sobre ela - de como, para educar, batia nos filhos com vara de marmelo e dirigia a casa apenas com seus pigarros, tamanho o pavor que inspirava.
Nunca acreditei muito nisso. Não aquela senhora. Não aquela que, quando menino, todas as noites, antes de dormir, preparava-me um café com leite e um pratinho com muitos pedaços bem pequenos de pão já amolecido, cada um com uma lambida de manteiga. Não a mesma que tinha o condão de encantar todos os que a conheciam. Sua presença emanava uma atmosfera intensa de carinho e acolhimento.
Há uma história que mostra bem como Matilde envolvia as pessoas. Certa vez, recebeu uma família americana que havia hospedado um de seus netos. Os americanos não entendiam nada de português e os da família que falavam inglês faziam às vezes de intérpretes. Mas, isso era raro e a mãe da família passou dias, quase duas semanas, todas as tardes com Matilde. Obviamente, não se falavam. Comunicavam-se sabe-se lá como, mas o fato é que, sem nenhuma palavra, foram passando muito tempo juntas. Quando chegou o dia da partida e essa mulher foi se despedir dela, caiu num choro convulsivo sofrendo intensamente a dor da separação. Sem nenhuma palavra, Matilde conquistou o coração de uma estrangeira desconhecida e culturalmente avessa a quaisquer arroubos de sentimentalismo latino. Anos depois, a americana ainda mandava cartas - que precisavam ser traduzidas - cheias de palavras de carinho e saudade.
Isso era tão forte em Matilde que hoje, contemplando o retrato que fiz há mais de vinte e cinco anos, sinto sua presença, lembro da sua voz, do seu forte sotaque libanês, da textura aveludada da sua pele em que eu adorava passar a mão.

Feliz de quem tem uma avó como Matilde.

P.S. Depois de escrever esse texto, fiquei sabendo que hoje é o Dia da Avó. Sincronicidade.

terça-feira, 25 de julho de 2006

ESTRELA

Joss Stone
Pra mim ela é a maior estrela do soul na atualidade. Uma mistura de Janis com Aretha, só que muito, muito mais bonita... Hoje tem uns 19 anos, mas nesse vídeo, tinha 16!!!!
O máximo! Clica aí e dá uma ouvidinha!

segunda-feira, 24 de julho de 2006

OLHARES

Aquela história do sapo que vira príncipe... Era mentira... Quem nasceu pra sapo não vira príncipe coisa nenhuma. Pode beijar à vontade. Selinho, beijo de língua, beijo molhado, beijo técnico, nada disso adianta.
Mas essa lenda continua sendo ensinada pras criancinhas indefesas; e elas acreditam até o fim da vida. Morrem infelizes, porque não conseguiram transformar o sapo em príncipe. E cá entre nós, é difícil gostar de um sapo! Não é tanto pela pele gosmenta e aquela voz meio rouca que sai do papo distendido. O pior do sapo, de resto um animalzinho de boa índole, é o olhar. Ou melhor, a falta de olhar. É, porque um sapo não tem olhar; tem olhos, tudo bem, mas não tem olhar. O olhar é algo que vem lá de dentro, só sai pelos olhos, mas está lá dentro, em algum lugar.
E, na verdade, a gente se apaixona pelo olhar e não pela pessoa. Não há maneira de você não se apaixonar quando os olhares se cruzam e aquela luz esbarra uma na outra como laser na célula foto-elétrica: todos os alarmes disparam e a gente é literalmente invadido, mesmo com os alarmes anti-invasão gritando desesperadamente.
É isso que torna impossível a gente se apaixonar pelo sapo. Não é a feiúra. Se fosse assim, gente feia não conseguia namorado. Mas consegue, sabe por quê? Não é porque o amor é cego e outras desculpas românticas esfarrapadas. É porque quando a gente enxerga o olhar do outro, lá dentro, tudo o que existe fora perde a importância, deixa de existir.
Daí pra frente, a gente só tem olhos para os outros olhos. Ou melhor, só tem olhar para o outro olhar...
Por isso é que o Tom fez aquela letra: "Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos seus resolvem se encontrar... Ah! que bom que isso é Meu Deus, que frio que me dá o encontro desse olhar...!"