sexta-feira, 9 de março de 2007

ANOTHER BRICK IN THE WALL

Se eu disser que alguém tem espírito científico, qual é a imagem que vem à sua mente? Provavelmente alguém com a camisa abotoada até o pescoço, vestindo um avental tão branco quanto a própria pele, usando óculos e totalmente desinteressante e apático. Pelo menos, este é o estereótipo.
Esse mesmo cara, quando era garoto, no mais das vezes era classificado como um "nerd" babaca. Sentava nas primeira carteiras, era comportadinho e só tirava notas boas. Os "espertos" faziam roda em volta dele nas provas, pra poder colar. Tinha um comportamento dócil, obediente e passivo. Não questionava nada. Era o "bonzinho". Pelo menos, este é o estereótipo.
É claro que estereótipos são modelos criados a partir do preconceito e de falsas generalizações. Contudo, estes rótulos têm força arquetípica em nosso imaginário. Embora sejam criados fora, por outros, e não brotem do nosso inconsciente, como os arquétipos, nós os adotamos como modelos de comportamento, de acordo com nossa maior ou menor identificação com o grupo ao qual pretendemos nos inserir. Isto é, nossas ações e comportamentos são o passaporte para sermos aceitos pelos outros como iguais. Muitas vezes à custa de enorme repressão aos nossos desejos e aspirações próprios. Pronto: estão instaladas as sementes das doenças psíquicas e emocionais de todos nós. Depressão, ansiedade, neuroses e, arriscaria, até esquizofrenias e comportamentos sociopatas, são frutos - entre outros fatores - de vivenciarmos um distanciamento de nós mesmos. Perdemo-nos de nossa identidade interna e não nos reconhecemos mais. Criamos uma persona que interage com o mundo, mas que é completamente diferente de nós mesmos. Para mantê-la viva e corresponder às expectativas do grupo, gastamos uma enorme quantidade de energia psíquica, o que nos deixa frágeis, ansiosos, depressivos, neuróticos e por aí vai. Claro que tudo depende do quanto permitimos que essa persona se apodere de nós.
Quando não permitimos nada disso, nem um pouco, o grupo nos rotula de rebeldes. Apenas, por agirmos de acordo com nossas convicções internas e não de acordo com as expectativas do grupo. É mais um estereótipo.
É justamente a dicotomia destes rótulos, "comportado ou rebelde", que tem me incomodado muito, especialmente no ensino acadêmico.
A busca de conhecimento, o tal "espírito científico" a que me referi na primeira linha, a expansão da cultura, enfim, o ato de aprender, tem para mim - ao contrário do estereótipo do "nerd", do aluno bonzinho, do "cu-de-ferro" - um sentido intenso de rebeldia . Para aprender realmente, o cara tem de ser um rebelde.
Só os rebeldes são questionadores. Não há maneira de buscar conhecimento e realmente entender as coisas, se não questionarmos as verdades pré-estabelecidas. Ciência, na verdade, é filosofia. Quer dizer, para se fazer ciência é necessário ter "mente filosófica". Aquele tipo de pensador que diz: "Eu vi isso. Mas será que eu vi isso mesmo?" Um intelecto treinado para, frente a uma afirmação de alguém, dizer: "Será que isso é exato?". O cientista é um cético por natureza. Não acredita nem nos fenômenos que ele próprio produziu. "Será que isso aconteceu mesmo?"
Só os rebeldes criam novos caminhos. E aprender de verdade é saber buscar novas soluções, tentar outras abordagens. Inventar. Por quê achamos Leonardo da Vinci, um gênio? Por quê entendemos que Thomas Edson ou Santos Dumont, ou Mozart, ou Tom Jobim, ou Ronaldinho Gaúcho, ou Elis Regina são gênios? O que essas pessoas têm em comum é a inquietude de buscar novos caminhos, embora já exista uma larga estrada - trilhada por todos os demais - bem ali à sua frente. Eles têm a coragem de criar, a coragem de inventar. Ir contra o senso comum e arriscar-se a ser rejeitados pelo grupo, o que na maioria das vezes acontece.
Depois de tantas revoluções culturais e comportamentais, ocorridas na segunda metade do século passado e da disseminação global dessas idéias, à custa de muita porrada em estudante, à custa de guerras e vidas humanas, depois da queda de quase todas as ditaduras do mundo, o que me preocupa é que vejo uma escola careta.
Não vejo, aqui em meu país, em nenhum nível educacional - do maternal à universidade - uma escola que estimule o aluno a questionar, pensar por si próprio. Buscar o conhecimento, mas refletir sobre a informação obtida. Não vejo a escola instigar o indivíduo a criar novas saídas. Não vejo a escola propondo discutir, confrontar idéias. Não vejo ninguém ensinar ninguém a pensar. Ao contrário, manda o mercado. Tem sucesso financeiro quem (diz que) coloca mais alunos dentro da universidade. Que tipo de gente entra nessa universidade? Que tipo de universidade essa gente faz? Que tipo de gente se forma, faz mestrado, doutorado? Que tipo de gente dá aulas para outros alunos que não pensam?
Nunca, na história do mundo, houve tanta informação disponível tão facilmente para tanta gente. Nunca houve tanta gente tão bem informada sobre tudo. As crianças, desde muito pequenas até a adolescência sabem tudo de tudo. Mas o que fazem com tanto (suposto) conhecimento? Pra que serve tanto saber sem a mente filosófica, sem a mente criativa, sem a mente inquieta para processar isso tudo e tornar este saber algo transformador. E o mundo nunca esteve tão necessitado de transfomação. Ou, por quê vocês acham que há cinqüenta anos se fala em aquecimento global e agora o fenômeno é manchete de jornais, como se tivesse aparecido o ano passado.
Os fatos já são terríveis por si só. Mas um medo maior me apavora. Cresce a cada dia, dentro de mim, a certeza de que essa atitude é premeditada e calculada. A velha teoria da conspiração vive me assombrando. E vejo em meus delírios persecutórios, uma grande muralha sendo construída tijolo a tijolo. À medida em que me aproximo dela, vejo que cada tijolo tem uma carinha. Cada um de nós é apenas mais um tijolo no muro.
Sou obrigado a concordar com o Pink Floyd!

WE DONT NEED NO EDUCATION! (assim, errado mesmo...)

Veja o clipe aí em baixo.


7 comentários:

Andréa disse...

Eh uma tristeza. E nao se esqueca de que menos de 10% dos brasileiros tem um computador em casa, meu amigo.

Zeca disse...

A coisa mais importante que aprendi na faculdade me foi ensinada pelo professor Dantas: "o objetivo da faculdade é abrir vossas cabeças, ensinar-lhes a questionar!". O problema é que foi no último ano, após um monte de aulas inúteis em que só dizíamos sim, é claro caro professor... demorei um tempão para entender o que ele disse. Concordo contigo Paulo, cada vez somos menos estimulados a questionar, apesar de vivermos na era da diversidade, em que tribos, raças e crenças tentam conviver harmoniosamente...
Não é fácil, não!

Grande abraço, Zeca

Carlinha Salgueiro disse...

Foi um professor quem me disse: "De que adianta um mestre que ensina apenas aquilo que ele leu num livro, que um aluno não poderia aprender sozinho".
Disto acrescento que ainda, falta prática nos assuntos abordados.
Logo, como ensinar a questionar se nem mesmos os educadores questionaram antes?
Pois é, de tijolo em tijolo, não mais criaremos... Copiaremos!
Beijos!

F. disse...

Esses tijolos servem para emparedar as mentes criadoras. Nos querem conformados, autômatos, abertos às influências que nos dizem que precisamos ter um carro, depois outro, depois outro melhor... A escola está falida. Nossos educadores continuam copiando práticas de massificação adotadas no pós-guerra europeu, como a progressão continuada, em lugar de imaginar uma nova educação transformadora, adequada à era da informação... Educação de qualidade não interessa às elites.

Paulo C. disse...

Queridos Andréa, Zeca, Carlinha e Ferdi
Fico feliz em ver que não estou só, mas em muito boa companhia.
Ainda há resistência. Ainda há consciência. Nesse sentido, o nosso contato aqui nos blogs é fundamental, para formar uma resistência e disseminar essas idéias.
Abraços a todos!

Anônimo disse...

O pior é que nem os tijolos o país consegue fazer direito. A realidade mostrada refere-se à minoria das escolas e faculdades. Aquelas onde, pelo menos, há a possibilidade de questionamentos.


Bjo

Andréa disse...

Cade tu? Tu some muito, homi!