sábado, 23 de dezembro de 2006

PEDIDOS PARA DEPOIS DO NATAL

Desculpem! Não consigo fazer coro com vocês... Não consigo cantar essa musiquinha brega... Não consigo beber essa champanha amarga, não consigo engolir essa carne ressecada, não consigo tomar esse vinho ácido. Não, não... o vinho é bom, de boa safra, de boa procedência... mas me sabe a vinagre...

Só vejo sorrisos forçados em bocas de gente com olhar triste... só vejo abraços frouxos e aperto de mãos moles. Mesmo os que me amam. Mesmo destes, nestes dias, sinto uma coisa falsa. Não que não me amem, mas o que eles me dizem não corresponde ao que sinto dentro deles. O que significa esse "Feliz Natal"? O que é ter um "Feliz Natal"!? Por que este Natal tem que ser feliz.. Não quero essa felicidade compulsória... Seja feliz, porque é Natal!!!
Tá, sou feliz... sou relativamente feliz... sou suficientemente feliz... mas não estou feliz... Não, não estou, não agora. Não nestes dias; não com tantas luzes; não com tanta gente, não com tanto barulho...

Sinto vontade de estar só, mas nunca a solidão doeu tanto . Não quero ver pessoas sorrindo. Não as quero por perto. Não quero telefonemas, nem cartões. Façam a festa sem mim. Toquem suas cornetas em outros ouvidos. Assoprem seus apitos estridentes em outra direção. Deixem-me só, com meu mau humor, com minha cara fechada, com meu silêncio. Deixem-me ficar abraçado à minha dor. Ela não passa, nestes dias. Acho até que fica maior, ao lado de tanta felicidade, de tanto barulho, de tanta luz...

Mas, por favor, quando tudo isso passar, quando a fumaça dos fogos se dissipar em névoa fina, quando o barulho ensurdecedor dos estampidos sumir e os bebês apavorados pararem de chorar, vencidos pelo cansaço; quando os cães sarnentos das ruas, saírem assustados de seus esconderijos, com o rabo entre as pernas e as orelhas abaixadas a procurar o alimento farto que foi jogado no lixo; quando finalmente houver silêncio, um silêncio de ressaca, um silêncio de morte; quando o sol finalmente surgir e iluminar a praia poluída por garrafas vazias, flores murchas, bitucas de cigarro, coxas de frango, camisinhas usadas; quando o cheiro doce da maconha se dispersar; quando a luz da primeira manhã bater nos olhos remelentos da criança nua que cata restos de tender e panetone, em meio às baratas; quando a primeira chuva trouxer a primeira enchente a lavar as ruas com urina de rato; quando as guirlandas douradas forem destruídas pelo aguaceiro e os celofanes rubros derreterem, levados pela ventania uivante... por favor, nessa hora não se esqueçam de mim...

Preciso de vocês aqui. Preciso saber que estão comigo, se algo me acontecer. Preciso saber que estarão por perto, se eu chorar, se sentir medo, se conseguir fazer algo sensacional, se eu cair no chão e fizer um talho na cabeça, se chover muito forte, se trovejar muito perto, se o vento assobiar, se eu fizer um gol bonito, se cantar uma canção, se me sentir apaixonado, se tremer de frio, se ganhar uma corrida, se fizer uma boa ação. Preciso de vocês, próximos de mim, porque pode acontecer de eu ficar com febre, ou vomitar, ou desmaiar.

Preciso de vocês porque meu coração pode parar de bater a qualquer momento e aí, nessa hora, se vocês não estiverem comigo, quem vai segurar na minha mão...???!!!

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

O PSEUDÔNIMO

Pensou muito, antes de escolher. Alexandre; grande demais. Palmério; esquisito. Sempre lhe vinha à cabeça Fernando Pessoa. Então decidiu. Ao mesmo tempo em que homenageava o cara que mais criou pseudônimos – tão complexos e com vida tão própria, que até foram chamados de heterônimos – criaria o seu com facilidade. Por que não pensou nisso antes? Tantas combinações possíveis: Alberto Reis; Ricardo Caieiro, Álvaro Pessoa, Fernando Reis, Alberto de Campos. Resolveu dar um nome de cada um: Ricardo de Campos Caieiro. Achou bonito, nobre, com cara de escritor mesmo.
Tudo isso pra esconder sua identidade. Há muito tempo vinha visitando blogs pela Internet. Ficou fascinado pela diversidade e qualidade dos sites desse tipo que encontrava. Era um universo vasto e interessante. E tão acessível. Que coisa democrática, isso. Qualquer um podia escrever sobre qualquer assunto, publicar imediatamente e, também imediatamente, receber o retorno dos leitores, que podiam ler seu artigo no exato momento em que ele entrava no ar. As possibilidades eram fantásticas. Há tempos pensava em começar a escrever , mas pra que? Pra quem? Agora tudo ficava fácil. Quer dizer, quase tudo. Jamais teria coragem de se expor tanto. Seus escritos eram muito confessionais. Era como ficar nu. Mas, até isso era facilitado pela Internet, o ambiente mais falso do mundo, onde qualquer um pode ser o que quiser, inventar nomes, personalidades, mudar de sexo, brincar de ser qualquer coisa. Aí sim se sentia seguro. Não era ele que iria escrever, mas uma outra pessoa, chamada Ricardo de Campos Caieiro. Pra não complicar as coisas e poder cuidar somente dos textos, não inventou uma personalidade; nada além do nome. Era um cara da idade dele, do jeito dele...ele mesmo. Só o nome mudava. Era o suficiente pra se esconder.
Abriu o blog e começou a escrever tudo o que lhe vinha na cabeça. Passou a visitar outros blogs, mas agora não mais anônimo; vinha com sua nova personalidade: Ricardo de Campos Caieiro.
E com esse nome, fazia comentários, convidava as pessoas pra visitar o seu próprio sítio. Pra dar um charme, assinava seus posts e comentários apenas com as iniciais R.C.C., criando uma marca que logo passou a ser reconhecida no meio.
Sua audiência foi aumentando. E seus textos , sempre muito bons, geravam muitas discussões. Começou a ficar popular no meio. E sua notoriedade extrapolou o ambiente digital. Passou a receber chamados da imprensa para dar entrevistas. Naturalmente tinha que recusar, pois Ricardo de Campos Caieiro não existia. Como apresentar-se fisicamente com um nome diferente do seu? Isso já seria fraude, falsidade ideológica, crime mesmo. Só aceitava entrevistas por e-mail, o que dava até um certo charme de cara recluso, figurinha difícil. Precisava recusar sistematicamente os encontros, que o pessoal virtual acabava marcando em barzinhos, pra se conhecer pessoalmente, beber e prosear. Ele não existia na vida real. Coisa mais estranha isso. Ele era seu próprio personagem, preso na sua própria criação.
Aquilo começou a incomodar demais. Sua popularidade já era grande. Começou a ter vontade de conhecer as pessoas com quem trocava idéias. Gente tão interessante! Umas mulheres inclusive bonitas. Ele não podia revelar nem sua imagem pessoal. As pessoas ficavam cobrando. Também queriam conhecer o cara que escrevia tão bem. Ele tinha o maior sucesso e não podia desfrutar disso, porque simplesmente não existia. Coisa mais absurda. Esquizofrênica, mesmo.
Precisava dar um basta naquilo. Então, decidiu revelar sua verdadeira identidade, seu verdadeiro nome. Que diabos, afinal todo mundo pode ter um pseudônimo, isso era uma prática comum. Até Nelson Rodrigues teve pseudônimo; e ainda por cima feminino: Suzana Flag. Não seria mal visto por isso. Muito ao contrário; seria uma atitude muito interessante revelar que ele não era ele. Ficou quase eufórico com a idéia.
Imediatamente foi pro computador, abriu o site do blog, entrou com seu login, digitou a senha e, assim que a tela em branco se abriu, começou a escrever o derradeiro artigo de Ricardo de Campos Caieiro. Caprichou na trama. Foi criando um suspense que culminaria com a grande revelação, na última frase. Fez ainda um P.S., explicando que, dali pra frente, os artigos do seu blog seriam assinados pela sua personalidade real, ele mesmo, que, de resto, era quem tinha escrito tudo aquilo até ali. Leu o texto. Achou bom. Com a dose certa de surpresa. Sorriu ao imaginar como as pessoas receberiam a notícia. Moveu o mouse. O cursor foi se aproximando do botão virtual. Quando chegou à palavra "PUBLICAR", pressionou o botão esquerdo.
A tela tremeu e de imediato, escureceu. O cursor sumiu e voltou na forma de um traço branco piscando no canto superior esquerdo. Apertou o botão do mouse mais uma vez. Nada. Tentou escrever algo. O cursor não se movia. "Cacete, computador é uma merda mesmo", pensou. Ficou olhando aquela tela preta, sem saber o que fazer. De repente, o computador começa o processo de inicialização. Respirou um pouco aliviado, mas meio tenso ainda. "Será que perdi todo o artigo?". Não; o servidor do blog tinha um sistema de salvamento automático, para o caso de acontecer estes travamentos tão comuns. Esperou a inicialização. Quando terminou, conectou-se novamente, digitou o endereço do servidor e na tela de identificação, digitou seu login e sua senha. "Seu login ou senha não correspondem. Favor tentar outra vez". Como assim? Digitou novamente, bem devagar, olhando cada tecla que apertava. "Seu login ou senha não correspondem. Favor tentar outra vez". Ué, que estranho... Foi pra página principal do site e deixou uma mensagem para o suporte técnico, dizendo que não estava conseguindo conexão. Descreveu o problema sucintamente.
No dia seguinte, abriu sua caixa de mensagens e encontrou um e-mail do suporte. Dizia que "o sistema não reconhece este login e esta senha. Se desejar poderá entrar em nossa página de cadastro e fazer sua inscrição". Cacete... Como não reconhece... tentou outra vez... nada. Então resolveu acessar o endereço do seu blog pra ver se, pelo menos, o artigo tinha sido publicado. Quase caiu da cadeira. O blog estava todo mudado, cores, fontes, tudo. Seus artigos anteriores ainda estavam lá, mas já havia quatro novos artigos assinados por ele, isso é, por Ricardo de Campos Caieiro. Artigos que ele não havia escrito!
Pensou: "Fui invadido por um hacker". O cara mudou minha senha e meu login e está zoando com o meu blog. Ficou putíssimo. Decidiu ligar para o suporte técnico. Depois de meia hora tentando, foi atendido.
-Suporte técnico Interblog. Em que posso ajudar?
- Alguém entrou no meu blog. Mudaram senha e tudo.
-Seu nome, Sr.
-Orlando Mitre.
-Qual o seu login, senhor?
-"mascarado", tudo minúsculo...
-Um momento...
-Sr., não consta no sistema esse login, sr.
-Como não consta? Sempre entrei com ele... É "mas-ca-ra-do", tudo com minúsculas...
-Estou verificando, sr. Não consta. E nunca tivemos esse registro anteriormente.
-Cara, é o seguinte. Eu tenho um blog hospedado aí nesse servidor há mais de seis meses. Entro nele várias vezes ao dia com o mesmo login e a mesma senha. Eu não estou louco e não esqueci meu login nem minha senha. Alguma coisa aconteceu. Não consigo entrar e alguém já publicou vários artigos assinados por mim, quer dizer, pelo meu pseudônimo. Eu não escrevi estes artigos e não os publiquei. Meu acesso foi cortado! Alguém invadiu o sistema, ficou com minha senha e mudou tudo.
-Impossível senhor. Nosso sistema de criptografia de chave dupla é inviolável para as senhas. Mesmo que alguém soubesse o seu login, não conseguiria acessar sua senha, sr.
- Olha, querido, veja aí este endereço que eu te passei. Estes quatro últimos artigos não são meus. Estão assinados por mim, isto é, pelo meu pseudônimo, mas não são meus...
-Um instante, sr... O sr. disse que usa um pseudônimo?
-Isso mesmo.
- É esse aqui que assina? R.C.C.? R, de rato, ponto, C de casa, ponto e C de casa, ponto, novamente?
-Exato.
- Temos este login validado no sistema, sr. Não é o seu?
-Não, não é... isso é só um pseudônimo. Meu login é esse que eu falei: "mascarado", tudo minúsculo.
-Desculpe, sr. este login não corresponde ao endereço que o sr. me forneceu.
-Você pode me fornecer a senha desse outro login?
-Desculpe, sr. Não podemos fornecer senhas. Algo mais em que eu possa ajudá-lo?
-Vocês têm que dar um jeito nisso. É um absurdo!
-Desculpe, sr. Se quiser, o sr. pode entrar em nossa página de cadastro e fazer um novo cadastro. O sistema irá lhe fornecer um novo login e uma nova senha...
-Caralho, porra, eu não quero novo login e nova senha. Quero o meu login e minha senha de volta!!
-Algo mais, sr?
-Vai tomar no cu!!!!
-O suporte técnico agradece seu contato. Tenha uma boa tarde.
Bateu o telefone com estardalhaço. Ficou parado, ofegante de raiva, sentindo o coração disparado. Não conseguia entender como isso tinha acontecido. Teve uma idéia. Tinha todos os endereços de e-mail do pessoal que conheceu. Preparou uma mensagem, onde dizia que tinha sido invadido por alguém que assumiu seu pseudônimo, mudou os dados de acesso do seu blog e passou a escrever artigos assinados por Ricardo de Campos Caieiro, seu pseudônimo, e que estes artigos eram falsificações, assim como tal pessoa não existia...etc... Assinou: Orlando Mitre. Enviou a mensagem para todos os da sua lista.
Em seguida, digitou o endereço do blog e a tela se abriu mostrando um texto em vermelho:
"Caros leitores e queridos amigos. Tenho recebido ameaças de algum hacker, dizendo-se dono deste espaço. Ele assina com o pseudônimo de Orlando Mitre e já tentou obter meus dados de acesso ao blog. Caso recebam alguma mensagem com este teor assinada por ele, por favor desconsiderem e, se possível, denunciem ao administrador do site. Já fiz uma denúncia formal ao servidor que está tomando as medidas judiciais cabíveis. Espero que este fato não venha a atrapalhar nossa convivência virtual tão gostosa e profícua. R.C.C."
Ficou lívido, estático. Não conseguia pensar em nada. Sua cabeça era um caldeirão em ebulição, mas não conseguia nem se mexer. Estava neste estado quando o interfone tocou, estridente. Levantou-se meio cambaleante e foi até a cozinha. Atendeu.
-Seu Orlando. Tem uns homens aqui querendo falar com o sr.
-Homens? Que homens?
-Tão dizendo que são da polícia federal e querem subir.
-Você pediu identificação?
-Pedi, sim sr. E eles têm um papel que dizem que é uma intimação.
-Tá bom. Pode subir.
A campainha soou.
-Sr. Orlando Mitre?
-Sim.
-Polícia Federal.
-Eu sei.
-Temos uma intimação para o sr. Deve nos acompanhar para prestar depoimento.
-Mas, do que se trata?
-Recebemos uma denúncia do servidor Interblog. O sr. está sendo acusado de tentar violar conteúdo do site, inclusive com roubo de senhas e dados dos associados do servidor.
-Eu?!! Mas isso é um absurdo! Eu é que estou sendo violado. Quais são as provas?
-Um usuário do sistema coletou e entregou como prova, material digital que está sendo periciado.
-Que material?
-Mensagens que o sr. enviou a toda lista de contatos dele, dizendo-se dono do site. Temos também o depoimento de um funcionário do suporte técnico acusando-o de tentar induzi-lo a fornecer a senha do senhor Ricardo de Campos Caieiro, fazendo-se passar fraudulentamente por ele. Além disso, a prova mais contundente é que o seu computador foi identificado pelo sistema como tendo enviado textos ao blog do Sr. Ricardo Caieiro, utilizando-se login e senhas de acesso dele.
-Sr. policial, este homem não existe. Foi um pseudônimo que inventei para poder escrever sem revelar minha identidade. Os textos são meus. Claro que foi do meu computador. Fui eu que enviei.
- O sr. confirma que enviou arquivos para o servidor Interblog, utilizando login e senhas em nome de Ricardo de Campos Caieiro?
-Pelo amor de Deus, gente! Esse é um nome fictício. Foi montado dos nomes dos vários heterônimos de Fernando Pessoa. Conhece Fernando Pessoa?
-Não, sr. Por favor, queira nos acompanhar.
Desistiu de argumentar. Na sede da polícia, poderia esclarecer tudo. Pegou uma jaqueta e saiu com os policiais.
Chegou ao edifício grande, no centro da cidade, desceu da Blazer preta e foi caminhando até o elevador, escoltado por um policial de cada lado. Pelo menos não o algemaram. Já tinha visto várias vezes na TV aquela humilhação por quê passavam os presos algemados e praticamente jogados na parte de trás do carro, sem conseguir nem se apoiar.
Entrou no elevador e acompanhou o contador até o décimo segundo andar. Saiu, com os homens sempre a seu lado, e entrou na segunda sala. Havia uma mesa grande, tipo mesa de reunião. Na cabeceira, um homem grisalho de terno levantou-se:
-Sr. Orlando, sou o delegado Ramirez, estendendo-lhe a mão, mas com o semblante carregado. Meus homens já devem ter adiantado o motivo da intimação.
-Dr. Ramirez, deixe eu ...
-Sr. Orlando, disse o delegado interrompendo. Antes de mais nada quero avisar-lhe que não deve dar nenhuma declaração sem a presença de um advogado. Se não tiver um, providenciaremos um defensor público. Esta reunião é apenas para apresentar-lhe a parte contrária que fez a denúncia de crime de violação e furto de dados digitais. Virou-se para o policial e fez um sinal com a cabeça.
Orlando Mitre ficou olhando para o delegado, sem saber o que dizer e não entendendo mais nada.
Uma porta lateral se abriu e, acompanhado do policial e de outro homem alto, carregando uma pasta preta, entrou um senhor de mais ou menos cinqüenta anos, usando um bigode estilo antigo, bem aparado, num terno de corte fora de moda, com colete, relógio de bolso com corrente de ouro e uma bengala com pegador de marfim. Ao cumprimentá-lo, mesmo sem as apresentações, inclinou-se e fez uma mesura tirando o chapéu, dizendo com forte sotaque português:
- Senhor Orlando Mitre! Finalmente estou a conhecê-lo, pois sim? Meu nome é Ricardo de Campos Caieiro. Acho que já nos conhecemos virtualmente, pois não?
Orlando Mitre, boquiaberto, deixou-se cair na cadeira e sentiu um formigamento no corpo. Desmaiou.
Acordou de repente, gritando, angustiado. Levantou tão rápido, que o notebook caiu do seu colo, no sofá. Abriu a tela e viu o cursor piscando na última frase do artigo que escrevera revelando sua verdadeira identidade. Apertou a tecla Ctrl, selecionou o texto todo e pressionou Delete.
Achou melhor abrir outro blog com seu nome e deixar Ricardo de Campos Caieiro, o R.C.C., seguir sua carreira brilhante. Afinal, Fernando Pessoa conviveu com, pelo menos, quatro heterônimos dentro dele.
Ou será que tentou eliminá-los e não conseguiu...?

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

PROMOÇÃO: ABRAÇOS GRÁTIS!

Sincronicidade existe. Não é uma invenção do Carlos Gustavo Jung.
Mandaram pra mim esse vídeo. Não sei se quem mandou, leu o post abaixo intitulado "Quero Colo". Não importa. Publico aqui, em seguida, como contraponto, bem do jeito que a vida é... surpreendente e irônica.
Ligue o som!


sábado, 9 de dezembro de 2006

QUERO COLO!

"Morrer deve ser tão frio, quanto na hora do parto"*

Gilberto Gil

-Já cortou o cordão?
-Pronto!
-Mostra pra mãe.
-Olha que lindo o seu bebê.
-Põe meu menino aqui no meu colo...

-Tá chorando!
-Vem no colo da mamãe, vem.
-Hora de mamar, querido...

-O que aconteceu? Caiu, meu filho..
-Ai, ai, ai que dodói..
-Vem aqui no colo da mamãe que passa...

-A gente perdeu, pai... De três a zero...Droga!
-Não fica triste, meu filho... Depois você ganha o próximo.
-Eu perdi um pênalti, pai!
-Vem aqui no meu colo, vem... Perder faz parte do jogo.

-Mãe, eu adoro ele, mãe...Ele não tá nem aí comigo!
-Não liga, não, minha filha. Vai passar. Tem muitos outros por aí..
-Mas nenhum como ele, mãe!
-Vem aqui no meu colo, vem....

-Querida, como eu amo você!
-Meu amor, deita aqui no meu colo...

-Ai, que delícia! Como foi bom...
-Nossa! Nunca foi tão forte... Tô até tremendo...
-Vem cá no meu colo, meu bem...

-Eu juro que vi, mãe... Tenho certeza. Saindo do motel...
-Vai ver era outra pessoa, filha...
-Não mãe, não era não. Nunca pensei que isso ia acontecer com a gente...
-Vem cá filha, fica aqui no meu colo... Vai passar...

-Mamãe.. o papai não resistiu...
-Ai, meu Deus... Ele era tão forte? Como eu vou fazer sem ele, agora?
-Eu estou aqui com você, mãe. Encosta aqui no meu colo...

-A mamãe morreu!
-Ah, meu Deus, que coisa triste...
-Todo mundo vai, um dia...Deita no meu colo... descansa um pouco.

-Olha o monitor...
-A freqüência está baixa, né..
-E a pressão também... Tá sem ritmo...
-Melhor chamar o Dr.
-Coitado! Dá vontade de pegar no colo... tão sozinho... ninguém da família veio hoje...
-Colo não pode dar... Mas pega mais um travesseiro pra ele...
-Não, não adianta mais. Olha o monitor...
-Parou!....

* ...com a diferença que, depois do parto, a gente vai para um colo de mãe; depois da morte... tem colo?

Ilustração: Mira Reisberg

sábado, 2 de dezembro de 2006

FICA COMIGO!



F E C U N D O*

“De desejar-te, imaginei-me tu.

Sem perder consciência do meu arfar por ti,

percorro-me inquirindo-te em todo mim,

vejo-me, toco-me porque sou todo tu,

e amo-me em ti que me dás forma e vazas de mim em mim.”

ABGAR RENAULT



Tu me fecundaste com a tua vida.


Corres, vermelha, pelas minhas artérias.

Contrai-te, súbita, nas minhas fibras.

Brotas, límpida, dos meus olhos,

Rolas, líquida, por minha face.


Infla-te, lenta, quando inspiro...

Sais, a esmo, quando suspiro.

Corro...acelera tuas sístoles,

Deito...tu te aquietas.


Se penso, vens aderida...

Se sonho, vens à deriva.

Olho-me e vejo-te.

Toco-me e sinto tua meiga penugem.

Procuro-me...encontro a ti.


Tu me fecundaste com a tua vida...

No entanto, sinto o frio da morte.



*Escrito em janeiro de 1992.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

PARABÉNS! E BOM FUNERAL!

- Alô...
- Bom dia! Com quem falo?
- Com quem quer falar?
- Sr. Paulo de Tarso.
- É ele.
- Sr. Paulo, aqui é Adriana Rúbia, da BOM. O sr. poderia estar...
- De onde?
- Adriana Rúbia, da BOM, Boa Morte!
- Boa Morte?...
- O sr. poderia estar respondendo uma pesquisa rapidinha?
- Ai, meu Deus...!
- Como?
- Nada... pode falar...
- O sr. perdeu algum ente querido recentemente?
- Ahn, não.
- O motivo do nosso contato, Sr. Paulo, é poder estar lhe passando nossos planos exclusivos...
- Planos?
- O sr. sabe que nos momentos mais difíceis, temos que estar tomando muitas providências.
- Que momentos?
- Nosso contato na verdade, sr. Paulo, é pra poder estar lhe oferecendo nosso planos de auxílio funeral. Somos uma empresa especializada em providenciar todas aquelas providências difíceis daqueles momentos.
- Ahn, sei... vocês "providenciam as providências" ...
- Isso mesmo, sr. Paulo. Nossa empresa se encarrega de todo o necessário para que o sr. tenha um funeral tranqüilo, sem estar se aborrecendo com nada. Nosso plano cobre qualquer burocracia, papelada, locação de castiçais, velas e crucifixos, compra de urna, coroas, suporte para o livros dos visitantes, preparo do corpo, providenciamos cafezinho e salgadinhos para o velório, enfim, o sr. não vai estar se preocupando com nada disso na hora do seu funeral. Nossa empresa vai estar cuidando de tudo. Assim o sr. e seus familiares podem ficar tranqüilos, neste momento tão difícil, sem estar se preocupando com tantas coisas...
- Escuta...
- E, nessa promoção, somente hoje, o sr. não precisa estar pagando a taxa de adesão e cadastro, no valor de cem reais. O sr. só começa a pagar a primeira mensalidade no mês que vem. Tudo o que o sr. precisa...
- Moça...
- ... é estar fornecendo seu CIC, RG...
- MOÇA!
- ...e o número do seu cartão de crédito VISA ou MASTECARD, ou ainda uma conta para débito automático....
- Ô MENINAAAA!!!!!!!
- Sr.?...
- Posso estar falando????
- Pois não, sr.
- Você vai ouvir?
- Sim, senhor...
- Sem interromper?
- Hã...hã...
- Presta atenção. Não estou interessado. Não quero comprar auxílio funeral. Quem lhe deu o meu telefone?
- Nós obtemos do nosso meilingui...
- Bom, não quero, obrigado... até logo.
- Mas, senhor...
- Muito obrigado, querida, não estou interessado em morrer.
- Mas isso vai acontecer um dia e...
- Quando acontecer eu vejo o que faço.
- O senhor não vai querer estar aproveitando a promoção sem taxa de adesão? É só hoje...
- Como você chama mesmo, meu bem?
- Adriana Rúbia.
- Adri, presta atenção. Hoje é o dia do meu aniversário, entendeu. Eu faço 52 anos hoje.
- Parabéns, sr. Então, o sr. não quer estar se dando este presente?
- Vou repetir, moça... Hoje é o meu aniversário. Estou comemorando meus anos de vida. Vida, entendeu? Não acredito que o primeiro telefonema que recebo no dia do meu aniversário é de alguém querendo vender auxílio funeral.... Não acredito!!!...
- O sr. não quer então estar conhecendo nosso plano Funeral Light? Ele é mais acessível e o sr...
- Tu...tu...tu...tu...
- Alô, sr... sr...

_________________________________________
Caros leitores.
Vocês estão pensando que eu inventei essa história?
Não, mesmo. Acaba de acontecer. Tô fora.

sábado, 18 de novembro de 2006

MACRO, MICRO

Andréa N., do blog In Other Worlds, publicou um post a que deu o nome - aparentemente paradoxal e muito interessante - de "A Grandiosidade da Nossa Insignificância".
Trata-se de uma série de figuras que comparam sucessivamente as dimensões dos planetas - entre eles a Terra - com outros planetas e com as estrelas de dimensões conhecidas. Primeiro o Sol, depois Sirius, Pollux, Arcturus, Betelgeuse e Antares.
As figuras, em escala correta, vão nos dando a noção dramática do quanto somos pequenos no Universo. Vale a pena visitar e principalmente refletir sobre isso. Sobre a nossa "grande insignificância"...
Pensei então no caminho inverso. O quanto estamos distantes do universo microscópico que nos cerca. Ao contrário do que isso poderia fazer supor, nossa auto-estima não se beneficia do nosso tamanho frente a esse mundo de Lilliput. Enquanto vamos diminuindo as distâncias e as unidades de medida vão passando de milímetros a micra, depois a angstron, picometro, femtometro, attometro, sucessivamente, vamos penetrando num outro universo da matéria. Tão rico e essencial quanto o Universo cósmico. Tão poderoso e tão necessário ao equilíbrio de tudo o que existe.
Nós somos apenas parte infinitesimal, dessa extraordinária ordenação. Dependemos completamente dela e não temos o menor controle sobre nada que acontece abaixo ou acima de nós.
A macro fotografia não é nenhum microscópio eletrônico, nem uma lente atômica poderosa que nos leve a este mergulho. Mas pode ilustrar um pouco como apenas uma mudança de perspectiva nos dá novos olhares ao mundo em que estamos. Clique nas fotos para ampliá-las.




Um silo nuclear? Uma nova
construção da arquitetura
pós-moderna? Um tipo de veículo
aeroespacial?...
Não: a ponta da minha caneta BIC...







Um míssil nuclear? Algum tipo de objeto para uso erótico?...
Não: o mini plugue do fone de ouvido do meu toca MP3.











O olho mecânico de um cyborg japonês?
Não: o micro-parafuso de fixação da haste dos meus óculos.












Uma anêmona do mar?... A vegetação exótica de uma ilha do Pacífico?...
Não: as cerdas da minha escova de dentes velha...

sábado, 11 de novembro de 2006

BLACKBIRD

Blackbird singin´ in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise



A Alessandra Alves, publicou um artigo intitulado "Que música marcou sua vida?". É um tema muito interessante e muita gente deixou seu testemunho lá.
Todo mundo tem uma relação afetiva com as canções, além do simples critério estético, do "gosto/não gosto". Música - assim como cheiro - é muito evocativa. Basta ouvir uma canção e lembramos de tudo o que acontecia enquanto ela tocava: as sensações que sentimos, quem estava lá. Toda a cena se apresenta como num filme.
Não deixei meu depoimento, pela dificuldade que tive em selecionar uma única canção que tivesse marcado minha vida. Foi impossível pra mim. Lembrei de umas doze, assim fácil, fácil. Qual delas seria "a" canção? Não soube dizer.
Mas esse exercício me fez lembrar de uma com a qual tive experiência muito estranha: Blackbird. A canção é uma das peças mais lindas, delicadas e pungentes dos Beatles. Aliás, é só do Paul. Foi composta com uma estrutura de música barroca, inspirada em Bach e nas técnicas de fuga e contraponto em que o alemão foi mestre maior. O arranjo é feito para violão, voz, pé e pássaro. Explico. Diz a lenda que uma batida no fundo, marcando o compasso, não vem de um metrônomo como parece, mas é o pé de Paul batendo num banquinho, onde foi colocado um microfone pra captar as batidas. O pássaro é um melro, o próprio pássaro preto, que faz seu canto melancólico no final e foi retirado de uma gravação de arquivo da EMI.
A parte do violão tem alguma dificuldade técnica, por ser um solo em contraponto com a melodia cantada e nós, adolescentes que estudávamos violão, fazíamos de tudo pra conseguir tocar e cantar ao mesmo tempo. Era muito difícil. Mas, de tanto que eu gostava da música, de tanto que ouvi e estudei, acabei conseguindo, com a ajuda de um amigo que fazia violão clássico. Aquilo foi uma façanha. Tocar Blackbird nas festas passou a ser minha marca registrada. Sempre que havia um violão por perto - e sempre havia - no meio daquele monte de músicas do Chico, do Vinícius, do Tom, no meio daqueles "barquinhos", "carolinas", "retratos em branco e preto", "waves" e "corcovados", alguém sempre pedia: "Toca Blackbird!!!" A turma parava pra ouvir. Era um sucesso porque a música é linda e impressionava. No meio da batidinha da bossa nova ela vinha com um caráter mais solene e o pessoal fazia um silêncio respeitoso, como as platéias de música erudita. Eu tocava e cantava com tanto prazer que a música parecia minha. E isso dava prestígio, o que fazia muito bem pro meu ego adolescente.
Os anos passaram e, já com uns quarenta e poucos anos, fui tocar numa banda de amigos, em que toco até hoje. Alguns são daquela época e me viram tocar Blackbird nas festinhas. A banda tem repertório de rock e pop dos anos sessenta e setenta. Um dia, resolvemos participar de um festival Beatles, promovido pelos fã-clubes daqui. Alguém lembrou do Blackbird e a música foi inscrita no repertório. Achei o máximo. Pensei comigo: "Vou arrasar", lembrando do sucesso que fazia na época em que tocava nas festinhas. E me preparei, o que não foi difícil, porque nunca mais esqueci da música. Apenas ensaiei pra ficar bem limpa e sonora, com uma execução fluida.
O repertório da apresentação tinha umas oito canções e Blackbird foi colocada bem no meio. Seria um momento de impacto, onde todos os componentes da banda sairiam do palco e eu, só com o violão, faria o número. Depois de umas três músicas agitadas, com as guitarras amplificadas, bateria, baixo e teclados, a entrada desse momento seria um contraste bonito e delicado, pra depois fazermos a segunda parte e terminarmos de maneira apoteótica com Help ou Back in The U.S.S.R. .
As três primeiras músicas foram muito bem. O público - todo de músicos das outras bandas - aplaudiu e gostou. Foi aí que a coisa aconteceu. De repente, me vi só, no centro do palco. Ninguém do meu lado. Os refletores jorravam uma luz forte e quente sobre a minha cabeça. O público desaparecera, engolido pela escuridão. E fez-se um silêncio aterrador. Fiquei alguns segundos parado, a cabeça vazia. Olhei para o lado e vi meus companheiros amontoados na coxia com uma cara meio ansiosa. Um deles fez sinal pra mim com a mão: "Vai...começa..." Tentei. Nada. Tentei outra vez. Um som começou a se ouvir, mas parecia vir de outro lugar. Via meus dedos percorrendo as cordas, mas fazia isso com uma dificuldade impressionante. Não conseguia comandar os movimentos que conhecia tão bem. A música foi se desenvolvendo mas cheia de tropeços, posições erradas, notas que não eram tocadas. A voz veio trêmula, baixa. Travei. Foram os dois minutos mais longos da minha vida. Quando dei o último acorde, o silêncio se fez de novo. A única coisa que pude fazer, foi dizer ao público: "Desculpem os erros. Foi muita emoção." O pessoal aplaudiu, mas eu saí dali arrasado. Como pode ter acontecido isso numa canção que eu tocava e cantava há tanto tempo? Que sabia mais do que de cor? Uma música que estava definitivamente incorporada em mim?
Até hoje, não tenho explicação lógica para o fato. E não quero arriscar as ilógicas. Porém, nunca mais toquei Blackbird em público. Só dentro do quarto, sozinho. E sai linda, linda. Como sempre saiu. Menos naquela noite...

terça-feira, 31 de outubro de 2006

RALOUIM


O mesmo palhacinho aí de baixo virou o vampiro aí do lado. Não disse que o cara gostava de festa? Então. Dez dias depois de ir a uma, vestido de palhaço, foi a outra, vestido de vampiro. Mas é baladeiro, hein...
O que me traz aqui, no entanto, é o motivo pelo qual ele virou vampiro. Hoje é o tal do RALOUIM. Aquela festa celta que foi comprada pelos estadunidenses e vendida para nós por ROLIÚDE.
Que somos facilmente conquistados pelos povos do Norte, isso não é novidade. Mas, sinceramente, nunca vi um hábito tão estranho à nossa cultura se incorporar tão rápido.
Há oito ou dez anos atrás, falava-se do tal RALOUIM como uma curiosidade. Nenhuma criança brasileira saía tocando campainha da casa dos outros, vestindo fantasia de bruxa, dizendo gostosuras ou travessuras. Pelo menos tiveram a decência de traduzir a expressão "trick or treat".
Hoje, graças à ajuda da imprensa brasileira (repercutindo a data e explicando seu significado à exaustão) e às escolas (!!!!!), que a comemoram e pedem até trabalhos para os pequenos, as crianças brasileiras celebram o RALOUIM, sem nenhuma ligação cultural com a data e com o evento. Repetem o comportamento de culturas estrangeiras como autômatos imitadores, apenas porque é moda, é legal, é bacana. Ou alguém disse que é.
Não sou daqueles nacionalistas radicais, xenófobos (como são, por exemplo, os estadunidenses) e penso que a cultura é algo universal, que deve ser partilhado. Se não podemos atingir a utopia de sermos um único povo (nacionalidade: terráqueo), que pelo menos compartilhemos nossas culturas de maneira fraterna. Contudo, partilhar não é praticar. Praticar atos ou comportamentos de uma cultura tão distinta da nossa, incorporando-a aos nossos hábitos, sem a mínima identidade com aquilo, me parece uma forma subliminar de colonização. E é! Estamos prontos para sermos invadidos pelo exército estadunidense, cujos soldados não terão a menor dificuldade em se comunicar em inglês conosco, como têm para mandar um iraquiano se identificar numa barreira militar em Bagdá.
Nossa alma já está conquistada e isso facilita muito as coisas. Gostamos da sua lingua, gostamos da sua comida, gostamos do seu jeito de vestir, gostamos da sua música. Na verdade, almejamos ser eles. Sonhamos ter nossa Nova York, nossa Disneyworld, nossa Las Vegas. Até nosso gestual chulo foi contaminado. Quando eu era jovem adolescente e queria mandar alguém "tomar no cu" (com o perdão da má palavra), unia o indicador ao polegar, formando um círculo e deixava os três dedos restantes estendidos. Se fizesse isso, era briga na certa. Hoje, ninguém vai entender este sinal. Agora, experimente recolher todos os dedos da mão e deixar estendido o médio na direção de alguém, como vemos nos filmes de lá; é capaz de você ouvir de volta um grito: "Fuck you!!!"
A
cho que esse vampiro do RALOUIM, está sugando o nosso sangue brasileiro.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

RESPEITÁVEL PÚBLICO!!!! SOCORRO!!!



Esse palhacinho aí do lado, tem tudo a ver comigo. E, ao mesmo tempo, nada. É meu filho, o que justifica a primeira afirmação. Mas tem uma personalidade completamente diferente, o que justifica a segunda.
Deixou-se vestir assim para uma apresentação na escola. Deixou-se pintar assim. E não agüentava esperar pela hora de ir. Feliz...feliz como toda a criança é... mesmo as tristes. Ensaiou seu número compenetrado, como se disso dependesse o futuro da humanidade. Ensaiou com uma entrega que só as crianças têm. No palco, atuou como se estivesse dizendo o monólogo de Hamlet, embora fosse um número de mímica. Entrou da coxia e encarou o público como se fosse íntimo de cada pessoa sentada na platéia. Olhos nos olhos... Sem medo de se expor... E como estava feliz!... Tão feliz, que - só de ver a felicidade dele - a platéia riu e também ficou feliz.

Lembrei de quando eu tinha a idade dele. Lembrei de que, numa festa junina, alguém tentou me pintar um cavanhaque e um bigode. Quando olhei no espelho, achei-me ridículo e comecei a chorar. Os argumentos adultos não me convenceram a usar aquela cara. Concedi, muito contrariado, em usar uma calça com um horrível remendo colorido e um lenço grotesco amarrado no pescoço. Definitivamente, não suportava esse tipo de exposição.

Anos depois, quando comecei a dar aulas na universidade, precisei fazer curso de oratória pra vencer o trauma: fiz três. Mais tarde, entrei para um curso de teatro que foi o máximo, mas fugi da apresentação do final de ano. Sem contar os quinze anos de psicoterapia Junguiana. Com tudo isso, meu medo da exposição pública foi acabando. Mas, nunca deixou de existir uma tensão, um sofrimento a cada início de aula, a cada véspera de uma palestra. O fantasma da auto-crítica continua mais assustador do que nunca. O máximo que consegui foi vencer o medo e ir lá pra frente com fantasma ou sem fantasma, o que é uma grande vitória.

Só não consegui ter a alegria e a leveza que esse palhacinho tem.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

NOVIDADE NA IMPRENSA: PIAUÍ


Hoje foi lançada uma nova revista. Chama-se PIAUÍ, mas ninguém explicou porquê. Em matéria da Folha, ficamos sabendo que a publicação pertence à Videofilmes, dos irmãos Moreira Salles (Walter e João) que têm muito dinheiro, muito talento e muito bom gosto.
Tem um time respeitável de colaboradores: Ivan Lessa (ai que saudade do Pasquim), Angeli, Marcos Sá Corrêa, Mario Sergio Conti, Rubem Fonseca, Dorrit Harazim, Luiz Schwarcz (da Companhia das Letras), Eduardo Escorel e outros.
O que me chamou a atenção, na verdade - e que me fez ir comprar o número 1 - foram algumas declarações do João Salles sobre a nova publicação: ela não tem linha editorial definida (aliás, não tem editorial), nem posicionamento político. Não há restrições a temas, nem patrulhamento ideológico, para usar uma expressão já antiga. Isto é: liberdade total do texto e dos autores. Segundo ele, a revista quer apenas contar boas histórias com humor. Os textos devem ser "interesantes, bem escritos e divertidos".
Vi, nesse perfil, uma aragem de renovação. Lembrei do Pasquim, já citado acima, que tinha esse mesmo frescor e qualidade. Eu devorava o jornal, na minha adolescência, como todo mundo aliás fazia. Chegou a vender duzentos mil exemplares, o que na década de 70 era um fenômeno absurdo.
Os tempos são outros e as pessoas também. PIAUÍ não é o PASQUIM. Mas sinto cheiro de inteligência e vejo uma alternativa estimulante à grande imprensa. A conferir.
Pra conhecer melhor a revista e sua proposta, o melhor é comprar, mas outras informações estão aqui.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

PERSONAS GRATAS E NON GRATAS

Se você perguntar pro pessoal lá de casa quem sou eu, eles devem dizer que sou um cara mal-humorado, ensimesmado, que gosta de se isolar e ficar quieto lendo ou escrevendo. Que falo pouco e não me relaciono com eles. E que tenho uma tendência à depressão.
Se você perguntar a mesma coisa pra qualquer um de meus clientes, vai ouvir que sou uma pessoa engraçadíssima, que não pára de falar abobrinha e que é uma terapia ir lá no meu consultório porque só se dá risada das coisas que eu falo. E que sou uma pessoa muito positiva e "alto astral".
Se você perguntar isso pra muitos de meus amigos mais próximos - aqueles que me conhecem bem - eles vão dizer que eu sou um cara muito interessante de quem gostam muito, mas que vivo vendo o lado negativo das coisas e que sempre acho que tudo vai dar errado.
Se você consultar minha mulher, ela provavelmente vai dizer que sou uma pessoa muito acomodada, que empurro tudo com a barriga, pouco empreendedor e pouco objetivo.
Já meu filho menor com certeza vai dizer que sou muito estressado. Aliás, assim que aprendeu a falar já começou a dizer isso. Era até bonitinho ver aquele molequinho de dois anos e pouco me perguntar: "Cê tá istessado?" Se eu estivesse, deixava de ficar na hora.
Meu filho mais velho talvez não diga muita coisa, porquê o que mais deve ter sentido foi a minha ausência, por mais que eu tivesse tentado ser presente.
Minha secretária, vai dizer que eu sou legal (se não fosse, ela não aguentaria trabalhar pra mim por dezoito anos), mas que sou muito mimado e tenho cinco minutos onde bato portas e jogo coisas.
Pessoas que me conhecem há pouco tempo, vão lhe dizer que eu sou uma pessoa brava, carrancuda, que inspira um certo temor.
Agora, se você fizer essa pergunta pra mim, não obterá resposta nenhuma. Não tenho resposta. Não tenho nada a declarar porque tudo o que disser pode ser usado contra mim. Não, não é crise de identidade. Essas, já as tive várias: aos oito anos, aos quinze, aos vinte e oito, aos trinta e dois, pulei a dos quarenta e tive aos quarenta e seis. Agora, aos cinquenta e dois, não tenho crise de identidade; tenho crise de identidades. É isso mesmo. Descobri que, além de não conseguir responder à mais fundamental das questões filosóficas, "Quem sou eu?", tenho que responder também a outra questão, "Quantos sou eu?" . Depois de descobrir este número, preciso achar resposta à primeira questão, pra cada uma dessas identidades. É mole?
Bem, não é tão desesperador assim. Na verdade, no momento em que você descobre esse monte de gente dentro de você a coisa fica mais simples. Aí você simplesmente deixa de se preocupar com isso e aceita o fato de que todos esses caras são você e você é todos eles. Você vira uma turminha o que pode ser bem legal, até. O problema é que você não decide quem vai junto ao cinema, quem te acompanha no trabalho, quem vai estar a fim de aparecer naquele jantar. Você perde um pouco o controle sobre isso, mas dá um certo, digamos, movimento à mesmice.
De resto, consolo-me com as palavras do poema de Mario de Andrade...

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

MÃO DE OBRA TEMPORÁRIA

Olhou disfarçando... Tentava ser discreto. Aquele olhar desejoso, babão, não combinava com a sua posição. Ele era o "VP", "o cara", o inatingível, o "ninguém consegue nem chegar perto dele"... Mas como era difícil disfarçar...
Uma secretária temporária...! Não, não tinha esse tipo de preconceito. Esse não. Ela era subalterna e, claro, não era rica. Mas, e daí? Bom, tem aquele negócio de "assédio sexual". Lembrou do filme. A Demi Moore, gostosíssima, tentando abrir a braguilha do Michael Douglas e ele repetindo: "No...No...No...". Justamente o Michael Douglas que, diziam, tinha se internado pra tratar de "sexualidade compulsiva". Claro, Tom Sanders, o personagem, é que dizia não. Ele mesmo, o ator, devia estar gritando por dentro: "Yes...Yes...Yes...!!! Divertiu-se com a idéia. E lembrou outra vez do assédio no filme. A advogada dizendo: "Sexual harrassment is not about sex. It is about power!" O assédio era uma expressão de poder. Ele - o todo-poderoso - usando este poder para obter favores sexuais de uma subalterna. Isso dava processo feio. E, pior que o processo, acabava com a carreira dele.
Esqueceu disso na mesma hora em que ela inclinou o tronco pra apanhar a caneta. A blusa abriu o decote e mostrou os seios perfeitos, comprimidos por um meia-taça preto. Quando levantou, seus olhos viram os dele, fixos e vidrados no seu colo. Instintivamente levou a mão ao botão da blusa e tentou fechá-la sem sucesso. Ao mesmo tempo, ele desviou o olhar para a janela e comentou qualquer coisa sobre o tempo.
Como era difícil resistir ao desejo por aquela mulher! Ela tinha uma mistura explosiva de inocência e sensualidade. O sorriso de uma criança, franco e brincalhão, mas o olhar lascivo de uma capa da Playboy. Um olhar que disparava fagulhas atingindo da pele até o sexo. Uma ondulação no caminhar. Uma coisa qualquer de magnetismo. Uma discrição tímida que provocava mais ainda a vontade de chegar perto. Porém, o mais difícil era resistir ao perfume. Não era perfume; era o cheiro dela. Um cheiro de mato, de terra molhada, um cheiro meio úmido e selvagem. Aquele cheiro drogava o cara. Aquela essência penetrava narina adentro até o cérebro e liberava todos os tipos de mediadores neuro-químicos do tesão: aquele tesão que entorpece a razão e deixa o cara irresponsável pelos seus atos, inclusive o ato sexual. Apesar de tudo, ele reprimia. Mas como era difícil!
A moça tinha sido colocada no lugar da D. Neuza, sua assistente há 16 anos, senhora solteirona de uma eficiência germânica. Fora preciso dar-lhe férias e o RH mandou a mocinha. Já no primeiro contato, sentira uma sensação esquisita. Chamou pelo interfone, com aquele tom de comando que usava com todos. Quando ela entrou na sala, ele demorou pra tirar os olhos do relatório e quando o fez, a primeira coisa que viu foram os saltos altos. Foi levantando o olhar vagarosamente. O "travelling" foi revelando aos poucos um corpo esguio, muito alongado, de porte elegantíssimo. Vestia uma saia na altura dos joelhos presa, pela cintura estreita, a um contorno de quadris volumosos mas em harmonia com o resto do corpo. Os seios eram também fartos, mas sem exageros e a linha dos ombros, muito largos, de perfil arredondado, dava-lhe uma nobreza impressionante na silhueta. Porém, o que chamou sua atenção de forma definitiva foi o desenho do pescoço. Aquilo realmente o impressionou: era muito alongado, seguindo o padrão do resto do corpo, mas também largo, de estrutura forte. Como uma pilastra sólida e firme, parecia tirado de um quadro de Modigliani. Sustentava um rosto de desenho quadrado, mas delicado, com uma linha bem marcada e ângulos mandibulares salientes. O cabelo curto, deixava a nuca totalmente aparente. Quando ela se virava para sair, os olhos dele se fixavam justamente ali e geravam todas as fantasias possíveis.
Precisava de alguns momentos para voltar a se concentrar no trabalho e muitas vezes durante o dia, surpreendia-se desatento, olhando para o nada, imaginando coisas. Passou a chamá-la pelos motivos mais fúteis. "Fernanda, poderia por favor trazer um clipe de papel?" "Fernanda, tem um grampeador aí?" Qualquer coisa que a fizesse entrar na sala. Começou a ficar preocupado. Nunca agira daquela maneira. Um dia o Tavares, diretor financeiro, comentou: "Mas essa sua secretária é gostosa, hein". Olhou com ódio para ele. Onde já se viu, fazer esse tipo de comentário. Deve ter mostrado isso, porque o Tavares abaixou a cabeça e ficou com cara de quem não entendeu nada. Eles tinham uma relação amigável e até íntima. Ficou mais irritado ainda por perceber que, com aquele comportamento, dava a maior bandeira. Mas, como resistir?
Chegou à conclusão de que estava pisando em terreno perigoso. Não era mais criança. Achou melhor trocar a moça por outra temporária. "Fernanda, por favor mande a Dominique do RH, vir até a minha sala." Quando a diretora entrou, pediu que ela substituisse a funcionária. "Por quê, Gustavo? Ela não está dando conta?" "Não, não é isso... é que... preciso de alguém com mais... experiência..." "Mas, Gustavo, que temporária vai vir com experiência? Ela fez alguma coisa errada?" "Não , não". "Então. Só falta uma semana pra D. Neuza voltar. Aí tudo se normaliza".
Só nessa hora deu-se conta de que Fernanda ía embora e talvez nunca mais a visse. Esse pensamento deixou-o apavorado. Concordou e dispensou a diretora. Chamou a secretária e aí cometeu o maior erro da sua vida. "Fernanda, preciso de você para terminar a apresentação da reunião de quinta." "Pois não, Dr. Gustavo"
No final do dia, Fernanda entrou na sala: "Dr. Gustavo, estou à disposição." "Você sabe lidar com o PowerPoint?" "Sei, sim". "Então, por favor, sente aqui", e indicou sua própria cadeira. A garota deu a volta à mesa e sentou-se. Estava com uma saia preta, mais curta do que o que normalmente usava de forma que, ao sentar, deixou aparecer mais de um palmo de coxa. Ajeitou-se na frente da tela e abriu o programa. Gustavo inclinou-se por trás dela para acompanhar o trabalho e quando chegou próximo à sua nuca, uma onda de cheiro de mato o envolveu. Olhou para baixo e viu aquele pescoço. Da perspectiva em que estava, via perfeitamente o decote entreaberto e os seios redondos. Falou alguma coisa sobre a apresentação, bem próximo do ouvido dela, quase sussurrando. Fernanda virou o rosto para ele e seus olhos se encontraram a apenas dez centímetros de distância. Foi o sinal. Ele puxou sua nuca com a mão direita e os lábios se tocaram. Moles, quentes e úmidos. Fernanda não resistiu; pelo contrário, abandonou-se. Levantou-se lentamente sem descolar os lábios dos dele e passou o braço esquerdo por trás dos seus ombros, enquanto a mão direita tocava a coxa e iniciava um movimento ascendente, lento e suave. Um arrepio percorreu sua espinha e um formigamento atingiu seu sexo. Entregou-se...
Uma semana depois, quando saiu da reunião extraordinária que tratara da sua demissão, passou pela ante-sala do que fora seu escritório. Fernanda estava lá, linda, atenta ao que escrevia no computador, agora efetivada no cargo de secretária executiva do novo vice-presidente, o Tavares, o antigo diretor financeiro. Aquele que tinha achado a secretária temporária muito gostosa. D. Neusa não chegou a voltar das férias. Foi demitida por carta.
Lembrou outra vez da advogada do filme: "Sexual harassment is about power." Fernanda tinha todo o poder.

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

VINÍCIUS TINHA RAZÃO

Comecei mal minha vida amorosa. Minha primeira namorada oficial, pública e notória era muito, mas muito feia mesmo. Isso talvez não tenha tanta importância, hoje. Mas, com quinze anos, uma namorada feia contava tantos pontos no índice de popularidade quanto uma namorada super bonita. Só que negativos.

Descobri isso da maneira mais sofrida. Vania até que era uma pessoa legal. Bem enturmada e até popular, por conta de uma personalidade bem marcante e expansiva. Mas, sabe aquela pessoa que é amiga de todo mundo, conhece todo mundo, freqüenta todas as turmas mas... ninguém quer namorar? Ela era essa pessoa. Quando disse feia não falei de alguém assim meio feinha. Era uma coisa que chamava atenção. Despertava até uma certa simpatia caridosa nas pessoas. Começa que era baixa. Mas muito baixa. Cerca de um metro e meio talvez. E gorda. Não gordinha... gorda, mesmo. Aquele tipo de obesidade que deixa a pessoa redonda, como uma bola. Pra piorar, não tinha quase pescoço, de forma que a cabeça meio que se unia diretamente ao tronco redondão, o qual, por sua vez juntava-se sem interrupção com as coxas grossas e tudo terminava no tornozelo estufado. Com esse contorno, parecia um boneco de neve: uma bolona grande inferior com uma bolinha menor em cima.

Nessa época, meu melhor amigo era um cara de prestígio irritante com as meninas. Além de rico, era lindo. Tinha olhos penetrantes de um azul entre o violeta e o azul piscina. Hipnotizavam! E ele sabia disso. Quando olhava nos olhos de uma menina que lhe interessava e fixava o olhar... acabou! Ademais, tinha uma personalidade exuberante, era expansivo e falastrão. Fazia todo mundo rir, com um espírito muito gozador e engraçado. Todas as meninas, inclusive as que já namoravam, ficavam fascinadas por ele. Nas festas, sua chegada era esperada. Quem estivesse lá dentro, ficava sabendo pelo movimento que acontecia entre as garotas. Umas olhando pras outras, sussurrando e rindo. Enfim, era uma covardia!

Tínhamos, claro, uma turma de garotões bem bonitos, como são todos nessa idade. Mas ele era especial. E, por ser especial, chamava tanto a atenção, puxava tanto os olhares para si, que não sobrava muito para nós outros. Entrar com ele numa festa era como não ir. Ficar do seu lado, era não estar lá. Uma vez atravessamos o salão, ele e eu, em direção a duas meninas. Cheguei perto da minha e disse: "Vamos dançar?" . Ela não respondeu. Não é que o barulho estivesse grande e ela não tivesse ouvido. Totalmente alheia ao meu pedido, encantada, ela simplesmente olhava para ele, ao lado, que falava com sua amiga. Depois de alguns longos segundos, voltou-se para mim e, como se tivesse acordado, meio constrangida, disse: "Claro, vamos". Era bem difícil se fazer notar com ele por perto, mas, nessa idade, ninguém é franco-atirador. A gente precisa da turma, dos caras, pra dar segurança. Estar com ele - além da amizade verdadeira, claro - era ter prestígio, eu pensava. Mas a verdade é que as coisas com elas, ficavam mais difíceis.

Nesse ambiente, ele conquistando todas e eu nenhuma, acabava conversando apenas com minhas amigas nas festas. E nada mais acontecia. Foi quando Vânia, ainda uma dessas amigas - por quem, obviamente, eu não tinha nenhum interesse - me convidou para ser seu par na segunda valsa dos seus quinze anos, dali a um mês. A festa de debutantes - naquela época e numa cidade pequena onde todos se conheciam - era algo muito sério. Um acontecimento que ninguém perdia. Só se falava nisso, dois meses antes e dois meses depois. A Vânia me pegou num momento de fraqueza. Estava arrasado porque minha última investida na Silvinha tinha sido recusada na lata. Convidar para a segunda valsa era praticamente um pedido de namoro. Não pensei e aceitei!

Meu amigo Caco (era o apelido do "Apolo"), não se conformava.

- Você é louco! Você é um imbecil!

- Por quê?!

- Todo mundo vai estar lá, meu. Você vai aparecer com ela numa festa e ainda vai dançar a segunda valsa?! Não acredito que você aceitou isso?! Você é burro demais!!!

Eu não entendia tanto barulho por uma valsinha e um namorico que, se não era nenhum grande romance, pelo menos me dava companhia. Não ficaria mais sozinho, só bebendo e conversando, com o pé na parede, durante as festas. Eu tinha uma namorada!!!

Então ele fez uma profecia: "Isso vai acabar com a sua reputação. Depois que você terminar com ela, não vai conseguir namorar mais ninguém".

Achei aquilo meio exagerado e, de resto, eu já não estava conseguindo namorar ninguém mesmo. Não dei muita bola. Comprei um lindo blazer azul-marinho com botões prateados e uma calça cinza claro com barra italiana virada. Emprestei camisa e gravata do meu pai e usei meu mocassin argentino. Estava o máximo, segundo o meu conceito. E iria ser destaque na festa. Imagine só dançar a valsa sozinho na pista, com todos (e todas) me olhando...!!!

Comecei a peceber a besteira que tinha feito já nos primeiros acordes do "Danúbio Azul". O pessoal fez aquela roda em volta da pista. Enquanto girava, via o povo rindo. Não, não estavam sorrindo. Estavam rindo, mesmo. Quase gargalhando. Me dei conta do ridículo daquele casal. Eu tinha só catorze anos, mas já media um metro e oitenta e cinco. Ela batia no meu peito. Podia olhar tudo por cima da sua cabeça. Precisava dançar meio curvado. Foi minha estréia...

Dois meses depois, tinha terminado o namoro. Fiquei três anos sem namorar ninguém. Que menina iria querer ficar com o cara que namorou a pessoa mais feia da turma. Pior; das turmas todas.

Minha sorte só mudou quando chegou à cidade, uma garota nova, linda. Ela não sabia de nada e a conheci numa boatinha do clube, assim que ficou sócia. Fui o primeiro que a tirou pra dançar. No dia seguinte, fiquei a tarde toda com ela na piscina, conversando. Quando as novas amigas revelaram com quem eu tinha namorado antes, ela já estava gostando de mim.

Era realmente linda essa menina, além de delicada e muito carismática. Era a versão feminina do meu amigo Caco, digamos assim. Conquistou tanto prestígio e popularidade quanto ele. E eu era o seu namorado! Nunca mais fiquei sem namorar, mas aprendi cedo como é construída uma reputação na sociedade das aparências.

Contudo, tenho de dar razão ao Vinícius : "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Notem que ele se dirige às "muito feias". E quando fala na "beleza fundamental" refere-se a todas as belezas da mulher, não só a um rosto lindo e um corpo fantástico. O pessoal, de sacanagem, destaca só essa frase e tira totalmente do contexto. Acho que é pra zoar com as "muito feias". Aquelas que não têm beleza nenhuma...


domingo, 10 de setembro de 2006

PHOTOPOST


tu és rosa...
eu sou azul...

Cores de mares!
se não ficares,
vou onde fores...
Pares de cores!

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

PAIXÃO E MORTE DE UMA PAIXÃO

ATO I

O arfar trêmulo do peito que agoniza, produz o som resfolegante de quem correu quilômetros. No entanto ele está parado, sentado há horas na mesma posição, olhando através das paredes, além do horizonte, um horizonte de chumbo. A entrada do ar é difícil e chega a doer numa inspiração mais profunda, vã tentativa de fazer algum oxigênio carrear vida para dentro do corpo alquebrado e dolorido. Cabeça e ombros parecem suportar uma imensa pedra; o monólito negro da paixão esfacelada lhe curva a coluna. Dentro do peito oprimido, duas grandes mãos sufocam fortemente seu coração, procurando fazê-lo parar e, por isso, cada diástole não acontece, cada sístole bombeia apenas um fio de sangue escurecido pela respiração ineficaz. A pele, coberta de um suor pegajoso e frio, adquire um tom pálido, levemente azulado. Ele experimenta um ébrio torpor e, ao mesmo tempo, uma ansiedade explosiva e irrequieta; nas extremidades dos membros, um formigamento latejante quase os anestesia. Sente uma súbita vontade de gritar, vomitar bile, atirar vasos contra a parede. Mas o corpo entorpecido não esboça o mínimo movimento de um dedo mínimo. Não consegue nem mesmo levantar o braço para enxugar os grossos fios de lágrimas que escorrem dos olhos e das narinas, respingando seu colo ofegante. De vez em quando, pequenos tremores partem de dentro, de algum lugar e vão evoluindo em ondas centrífugas, atingindo a musculatura epidérmica, gerando arrepios e involuntárias contrações espasmódicas. Destes incontáveis epicentros, borbulham terremotos que sacodem o corpo semi-inerte, entregue à força primitiva de um vulcão em atividade máxima: sua pobre alma delira em convulsões e regurgita uma lava de fel e secreções incandescentes da paixão que se consome num fogo estrepitoso. Nunca pensou que tal emoção fosse sentida pelo estômago, mas é ali que as labaredas parecem produzir um ardor desesperado, dilacerante. Estranhamente, como que buscando um bálsamo, seu cérebro começa a resgatar, com incrível clareza, os instantes de paz e transcendência que vivera há - quanto? - tão pouco tempo. Dias, semanas talvez, o separam do paraíso em que estava e do inferno que agora vive... E...

ATO II

...Nunca sentira um estado de alma como aquele. Não havia diálogo, não havia idéias, não havia razão, decididamente inúteis. Apenas sensações...sonoras, olfativas, táteis. E - ao contrário de agora - uma ausência de peso, um levitar. Como se um campo antigravitacional estivesse permanentemente ligado. Fechara os olhos e chegara a ter miragens. Suas visões eram de nuvens passando em movimento lentíssimo sobre profundo e infinito azul, como um filme rodado em câmara lenta, mas sem o som das turbinas de um possível avião que lhe desse essa perspectiva visual. Como a bordo de um planador, seu espírito voava um vôo autônomo. Havia o silêncio reconfortante de um crepúsculo no campo e, bem longe - em tom baixo mas, perfeitamente audível - uma melodia não identificada e, no entanto - agora - inesquecível. Não , não era apenas uma melodia. Eram canções, muitas canções e vinham de um mesmo CD que rodava incessantemente, repetindo-se . Nenhum dos dois fazia qualquer menção de trocar o disco. Pouco importava. Era apenas música incidental, música de cena, música de fundo. A verdadeira música eram os sons. Baixos, baixíssimos, ouvidos apenas por eles, respeitando o silêncio que envolvia a sala penumbrosa de uma luz cálida. O ruído da inspiração do ar simulava uma suave brisa penetrando, lenta, minúsculas cavernas e assoviando baixinho quando formava pequeninos turbilhões nas concavidades que forçavam seu retorno. A expiração, ao contrário, vinha mais rápida e vigorosa; o jorro de ar, lançado de uma só vez, era, às vezes, acompanhado de mínima vibração das cordas vocais, criando uma nota pálida que fugia da garganta, como eco, pelos lábios entreabertos. De vez em quando, um gemido escapulia do peito de cada um e se transformava num sussurro - apenas a inútil tentativa de articular palavras que nunca saiam inteligíveis, por desnecessárias ou por serem abandonadas em algum desvão, no meio do caminho entre o coração, o cérebro e a língua, já enovelada com a outra, duas cobras do Paraíso perdidas no seu balé místico e pleno de significados e gozos. Falar prá que, se o silêncio destes ruídos dizia tudo o que era preciso? O farfalhar dos tecidos criavam imagens de folhas batidas pelo vento do Outono e traziam junto o seu clima de frescor, apenas para comprovar a tepidez dos corpos... E...

ATO III

...Um calor de forno crematório emana de seu interior, ao mesmo tempo em que a janela escancarada - no desvario de fugir da opressão - sopra um hálito gélido de ar, eriçando sua epiderme e trazendo-lhe tremores febris. Sua cabeça dói e pulsa na freqüência com que seu coração busca injetar sangue em seu cérebro fatigado de tanto procurar aquele paraíso perdido. Debalde; ele sabe disso. Sabe desesperadamente que sua memória não foi capaz de guardar nenhuma daquelas emoções.
Não estão no córtex, no lobo central ou no hipotálamo. Na verdade, não estão em lugar nenhum de seu corpo, nem ocultas em nenhuma fibra de seu coração ou encobertas em qualquer vão de seu sistema sensorial, embora todo ele tivesse tomado parte daqueles momentos.
Eis a terrível verdade! Aquela paixão imensa, sentida em cada miserável célula de seu corpo, percebida em cada órgão, manifesta em cada gota de suor, em cada lágrima de emoção vertida pelos olhos extasiados, em cada suave toque de seus dedos, aquela chama de luz intensíssima, aquele arrebatamento insensato e, ao mesmo tempo, pleno de paz, pertencia ao Tempo, este deus cruel e intolerante, que nos leva, implacável, todos os instantes vividos e por cujos dedos se esvai nossa vida lastimosa. Chorando, agora, um choro convulsivo e desesperado, ele percebe - na sua grande solidão e impotência - que jamais a terá de volta. Nunca mais aquela paz dos crepúsculos campesinos, nunca aquele silêncio melódico e farto de ruídos somente percebidos pelos corações apaixonados. Nem, tampouco, os perfumes, o calor, o toque eletrizado. E, nunca mais a viagem por entre as nuvens claras do céu da paixão, a viagem que pacifica o espírito e apascenta as almas apaixonadas. O deus Tempo, levou tudo e não deixou um registro sequer, nada que pudesse evocar um milésimo de segundo daquela sensação.

EPÍLOGO

Assim morre uma paixão. Assim como veio, do nada, trazida apenas pelo Tempo, deixada alguns instantes para que duas almas, escolhidas a esmo, pensem que também são deuses e que venceram os segredos da Vida e da Morte, conquistando a Eternidade. Não, minhas pobres almas desenganadas! Vivam como deuses estes mínimos e raros instantes, por que, logo, logo, perderão altitude e, de repente, em queda livre, vão estatelar-se, com estrondo terrível, sobre a sua dura e limitada humanidade. É-lhes permitido apenas...chorar.
E excretar - sob a forma dessa água salgada, temperada pelo fel do desengano - aquela porção perdida que o Tempo levou, numa espécie de morte a prestação.