segunda-feira, 7 de maio de 2007

"RAT RACE"

O ato de escrever, exige a prática do que o sociólogo italiano Domenico de Masi, chamou de "ócio criativo": aquele estado contemplativo, em que nos colocamos disponíveis para o livre fluxo das idéias e para o emergir das energias criativas do espírito e da mente.
Ao contrário do que exige a era pós-industrial, calcada no binômio produção-consumo, uma sociedade baseada nos princípios de Domenico de Masi seria uma sociedade muito menos voltada para o consumo. E, assim, muito mais criativa e feliz.
Isso não interessa de jeito nenhum às forças econômicas. Todos somos condicionados a trabalhar, trabalhar, trabalhar para poder consumir, consumir, consumir. É como aquelas corridas de cães, em que se coloca à vista dos pobres animais, uma presa mecânica que anda a uma velocidade bem superior à deles, fazendo com que corram o máximo que podem, sem nunca conseguir alcançá-la. Em inglês, chama-se a isso de "rat race", corrida de ratos, em alusão ao ratinho de laboratório que fica correndo sobre a roda, fazendo um esforço extremo e inútil para fugir.
Todos estamos condicionados, como galgos de corrida, a ir, compulsivamente, atrás das "presas" que, segundo o mercado, nos farão felizes. Nossa imbecilidade permite que nos vendam esta idéia. Criam-nos necessidades que nunca tivemos, mas que passamos a desejar como se fossem imprescindíveis para nossa vida. Conseguem atribuir símbolos tão fortes a esses "gadgets", que fazem com que milhares de babacas gastem milhares de dinheiros para ter qualquer coisa que lhes façam sentir-se: poderosas, lindos, inteligentes, potentes, gostosas, irresistíveis, respeitadas e tudo aquilo que não são. A coisa é tão bem bolada, que, no mesmo momento em que logram adquirir um destes símbolos - que pode ser uma Ferrari, para alguns, ou um somzinho três-em-um, comprado no crediário das Casas Bahia, para outros - aquele objeto perde o poder mágico que até então lhe fora conferido e, imediatamente, outro objeto de desejo lhe ocupa o lugar. Nós, os cães, continuamos a correr atrás da lebre mecânica. Nós, os ratos, continuamos a girar a rodinha.
Fugi do assunto inicial. A indignação me foi levando, como um vento lateral. Só queria dizer que, sem o tal ócio, fica difícil escrever. Sinto-me vazio, porquê as energias da criação estão sufocadas. Estou ocupado em perseguir minha lebre mecânica e não pude parar um só instante, para abrir os canais da criação e os caminhos da reflexão.
Essa corrida interminável levou-me a participar de um congresso na Ilha de Santa Catarina, um lugar que, se não é o paraíso, deve ser sua entrada. Não vou falar nada desse lugar. Cliquem na figura, ao final do texto para ver um álbum com uma pequena amostra do que lá vi.
O irônico é que, só pude ver e fotografar, mesmo. Assim, de longe. Noventa por cento do tempo, fiquei encerrado em um auditório com as luzes apagadas, assistindo projeções e apresentações feitas em PowerPoint, em companhia de umas mil e duzentas pessoas. Quando saía da sala, em algum intervalo (chamado aqui no Brasil de "cofee-break", em nosso dialeto oficial), o sol me cegava de tanto esplendor e o azul do céu caía sobre minha cabeça com um grande estrondo. Ao final da última palestra de cada dia, já encontrava a noite estrelada, tão estrelada quanto uma noite de Van Gogh. Mas, não dava tempo pra ficar olhando. Era necessário voltar à corrida.
O cômico - ou o dramático - é que, toda essa corrida serve pra eu poder um dia ficar olhando o horizonte, horas a fio, como faz o surfista aí da foto, esperando a melhor onda; ou poder ter tempo de deitar na rede da varanda - que havia no hotel, mas que não usei - para ficar olhando aqueles zilhões de estrelas e inspirando lentamente a fresca brisa do mar.
Agora, se vocês me dão licença, preciso continuar minha corrida...




COSTÃO

13 comentários:

Marina disse...

Paulo, conheço bem a sensação do rat race. E a frustração de não conseguir virar a chavinha para a reflexão, a criação, e tudo que nos move a escrever. Talvez querer o ócio criativo seja uma utopia, mas eu ainda sonho em tê-lo full-time -- mas aí viraria produção, né? E seria angustiante como qualquer outro trabalho. Enfim...prazer em lê-lo novamente.

Gabi disse...

... uma sociedade baseada nos princípios de Domenico de Masi seria uma sociedade muito menos voltada para o consumo. E, assim, muito mais criativa e feliz.
Sim, isso é obvio ! Mas em relação ao "desvio de assunto": o que difere você, ser humano - 'senhor de todas as coisas' - de um rato de laboratorio é justamente a opção de poder fugir.
Por que não o fez ?
Saudade de ti ! Voltei ! =)
Beijo !!!

Andréa disse...

Tambem tava com saudade. Eu acho que pra escrever e cocar eh soh comecar. Quanto mais a gente escreve mais ideia vem, Paulo. E eu escrevo mais por necessidade mesmo, como se estivesse vomitando. E em qualquer canto, no trem, no trabalho, na rua. Se as palavras pululam eu cato um pedaco de papel, nem que seja de pao, e escrevo. Vou rascunhando palavras somente, as vezes, qualquer coisa mesmo. Depois uso ou nao.
Feliz sexta e nao some!

Andréa disse...

Ai, esqueci de falar, QUE FOTOS MARAVILHOSAS, MEU! Ainda vou te trazer pra uma mostra numa galeriazinha pequenina e chiquerrima do Soho. Me aguarde.

Gabi disse...

So você foi convidado pra ir ao Soho, cê viu ? Coisa pra quem pode, né ?!


=PPPPPP

Paulo C. disse...

M.: É Má... a máquina moe nossa carne e nosso espírito de qualquer forma. Mas, o que a Gabi fala aí em cima é verdade: a gente é que escolhe, no fim das contas. Papo bom pra ter pessoalmente, você não acha?

Gabi: Embora já tenha da dado razão pra você (veja o comentário que fiz pra M., aqui em cima), devo dizer que você foi muito cruel. Eu já sei que tudo só depende de mim; que eu sou o senhor absoluto do meu destino. Mas, pô meu, como é difícil nadar contra essa correnteza. Na próxima "encadernação", vou pedir pra vir mulher - que são muito mais resolvidas e corajosas -, bonita, gostosa e morar num país civilizado - talvez a França. Acho que assim, vou ter um pouco mais de recursos pra dizer não à máquina.
Saudade sempre!

: Tá certa. Certíssima! Os canais só se abrem quando a gente os utiliza. Depois de escrever o primeiro livro, Estorvo, o Chico deu uma entrevista em que dizia que não estava conseguindo compor: ele olhava pro violão, encostado num canto da parede e o violão rosnava pra ele. Ele tinha fechado o canal da música e estava com o da literatura todo aberto.

(de novo): Como é bom ter amigos , né... Eles dão a maior força pra gente. Brigadão, querida.

Gabi : Vou propor pra Déa, não fazer uma individual. Vamos fazer uma coletiva comigo e com o Gaël, que tal. Vamos marcar pro outono do ano que vem, quando a Flora já vai poder viajar e a gente se encontra na Central Park West, em frente ao Dakota, lá no Strawberry Fields, todos nós. Putz, ia ser bem legal, hein...

Marina disse...

Acho! Vamos tomar cafezinho lá na casa da Dona Vera?

Carlinha Salgueiro disse...

Paulo, a saudade de ler teus escritos é compensada com belas palavras... Sorvendo cada uma aqui para nosso deleite.
Corremos todos atrás da nossa lebre... Infelizmente, e você disse tudo. Não há nada que eu possa acrescentar, apenas concordar que a corrida nossa de cada dia, é na esperança de um dia poder descansar, olhar, admirar.
Sorte daqueles que conseguem tudo isto ao mesmo tempo.
Vamos tentar?
Beijos!

Carlinha Salgueiro disse...

Ah, parabéns pelas imagens!
Belissímas!

Andréa disse...

Paulo, nao botei teu nome la, mas queria muito ver tua lista "As 7 das 10". Publica aih, vai? :-)

Gabi disse...

Ai, mas por que você não vem a Paris ???? Garanto que rolam fotos lindissimas aqui !
Venha, venha, venha !
MI casa, SU casa !
Um beijo de saudade, gatão ! =D

Gabi disse...

Ow, fica me 'tirando', dizendo que minha filha não me deixa brincar com os amiguinhos, mas tu também, hein ?! Some ... do nada !
Odeio gente assim, que se faz gostar pra depois desaparecer.

Gabi disse...

O paradoxo é intencional ...