sexta-feira, 15 de setembro de 2006

VINÍCIUS TINHA RAZÃO

Comecei mal minha vida amorosa. Minha primeira namorada oficial, pública e notória era muito, mas muito feia mesmo. Isso talvez não tenha tanta importância, hoje. Mas, com quinze anos, uma namorada feia contava tantos pontos no índice de popularidade quanto uma namorada super bonita. Só que negativos.

Descobri isso da maneira mais sofrida. Vania até que era uma pessoa legal. Bem enturmada e até popular, por conta de uma personalidade bem marcante e expansiva. Mas, sabe aquela pessoa que é amiga de todo mundo, conhece todo mundo, freqüenta todas as turmas mas... ninguém quer namorar? Ela era essa pessoa. Quando disse feia não falei de alguém assim meio feinha. Era uma coisa que chamava atenção. Despertava até uma certa simpatia caridosa nas pessoas. Começa que era baixa. Mas muito baixa. Cerca de um metro e meio talvez. E gorda. Não gordinha... gorda, mesmo. Aquele tipo de obesidade que deixa a pessoa redonda, como uma bola. Pra piorar, não tinha quase pescoço, de forma que a cabeça meio que se unia diretamente ao tronco redondão, o qual, por sua vez juntava-se sem interrupção com as coxas grossas e tudo terminava no tornozelo estufado. Com esse contorno, parecia um boneco de neve: uma bolona grande inferior com uma bolinha menor em cima.

Nessa época, meu melhor amigo era um cara de prestígio irritante com as meninas. Além de rico, era lindo. Tinha olhos penetrantes de um azul entre o violeta e o azul piscina. Hipnotizavam! E ele sabia disso. Quando olhava nos olhos de uma menina que lhe interessava e fixava o olhar... acabou! Ademais, tinha uma personalidade exuberante, era expansivo e falastrão. Fazia todo mundo rir, com um espírito muito gozador e engraçado. Todas as meninas, inclusive as que já namoravam, ficavam fascinadas por ele. Nas festas, sua chegada era esperada. Quem estivesse lá dentro, ficava sabendo pelo movimento que acontecia entre as garotas. Umas olhando pras outras, sussurrando e rindo. Enfim, era uma covardia!

Tínhamos, claro, uma turma de garotões bem bonitos, como são todos nessa idade. Mas ele era especial. E, por ser especial, chamava tanto a atenção, puxava tanto os olhares para si, que não sobrava muito para nós outros. Entrar com ele numa festa era como não ir. Ficar do seu lado, era não estar lá. Uma vez atravessamos o salão, ele e eu, em direção a duas meninas. Cheguei perto da minha e disse: "Vamos dançar?" . Ela não respondeu. Não é que o barulho estivesse grande e ela não tivesse ouvido. Totalmente alheia ao meu pedido, encantada, ela simplesmente olhava para ele, ao lado, que falava com sua amiga. Depois de alguns longos segundos, voltou-se para mim e, como se tivesse acordado, meio constrangida, disse: "Claro, vamos". Era bem difícil se fazer notar com ele por perto, mas, nessa idade, ninguém é franco-atirador. A gente precisa da turma, dos caras, pra dar segurança. Estar com ele - além da amizade verdadeira, claro - era ter prestígio, eu pensava. Mas a verdade é que as coisas com elas, ficavam mais difíceis.

Nesse ambiente, ele conquistando todas e eu nenhuma, acabava conversando apenas com minhas amigas nas festas. E nada mais acontecia. Foi quando Vânia, ainda uma dessas amigas - por quem, obviamente, eu não tinha nenhum interesse - me convidou para ser seu par na segunda valsa dos seus quinze anos, dali a um mês. A festa de debutantes - naquela época e numa cidade pequena onde todos se conheciam - era algo muito sério. Um acontecimento que ninguém perdia. Só se falava nisso, dois meses antes e dois meses depois. A Vânia me pegou num momento de fraqueza. Estava arrasado porque minha última investida na Silvinha tinha sido recusada na lata. Convidar para a segunda valsa era praticamente um pedido de namoro. Não pensei e aceitei!

Meu amigo Caco (era o apelido do "Apolo"), não se conformava.

- Você é louco! Você é um imbecil!

- Por quê?!

- Todo mundo vai estar lá, meu. Você vai aparecer com ela numa festa e ainda vai dançar a segunda valsa?! Não acredito que você aceitou isso?! Você é burro demais!!!

Eu não entendia tanto barulho por uma valsinha e um namorico que, se não era nenhum grande romance, pelo menos me dava companhia. Não ficaria mais sozinho, só bebendo e conversando, com o pé na parede, durante as festas. Eu tinha uma namorada!!!

Então ele fez uma profecia: "Isso vai acabar com a sua reputação. Depois que você terminar com ela, não vai conseguir namorar mais ninguém".

Achei aquilo meio exagerado e, de resto, eu já não estava conseguindo namorar ninguém mesmo. Não dei muita bola. Comprei um lindo blazer azul-marinho com botões prateados e uma calça cinza claro com barra italiana virada. Emprestei camisa e gravata do meu pai e usei meu mocassin argentino. Estava o máximo, segundo o meu conceito. E iria ser destaque na festa. Imagine só dançar a valsa sozinho na pista, com todos (e todas) me olhando...!!!

Comecei a peceber a besteira que tinha feito já nos primeiros acordes do "Danúbio Azul". O pessoal fez aquela roda em volta da pista. Enquanto girava, via o povo rindo. Não, não estavam sorrindo. Estavam rindo, mesmo. Quase gargalhando. Me dei conta do ridículo daquele casal. Eu tinha só catorze anos, mas já media um metro e oitenta e cinco. Ela batia no meu peito. Podia olhar tudo por cima da sua cabeça. Precisava dançar meio curvado. Foi minha estréia...

Dois meses depois, tinha terminado o namoro. Fiquei três anos sem namorar ninguém. Que menina iria querer ficar com o cara que namorou a pessoa mais feia da turma. Pior; das turmas todas.

Minha sorte só mudou quando chegou à cidade, uma garota nova, linda. Ela não sabia de nada e a conheci numa boatinha do clube, assim que ficou sócia. Fui o primeiro que a tirou pra dançar. No dia seguinte, fiquei a tarde toda com ela na piscina, conversando. Quando as novas amigas revelaram com quem eu tinha namorado antes, ela já estava gostando de mim.

Era realmente linda essa menina, além de delicada e muito carismática. Era a versão feminina do meu amigo Caco, digamos assim. Conquistou tanto prestígio e popularidade quanto ele. E eu era o seu namorado! Nunca mais fiquei sem namorar, mas aprendi cedo como é construída uma reputação na sociedade das aparências.

Contudo, tenho de dar razão ao Vinícius : "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Notem que ele se dirige às "muito feias". E quando fala na "beleza fundamental" refere-se a todas as belezas da mulher, não só a um rosto lindo e um corpo fantástico. O pessoal, de sacanagem, destaca só essa frase e tira totalmente do contexto. Acho que é pra zoar com as "muito feias". Aquelas que não têm beleza nenhuma...


4 comentários:

Edu disse...

Olá Paulo!

Te linkei no meu blogginho iniciante. Tava lá "fuçando" os links da minha querida amiga Andrea... Gostei muito dos teus textos e saiba que terás um leitor assíduo.

Abraços

Edu =]

Marina disse...

Adoro ler histórias, antes amargas, e hoje divertidas, de adolescência. Devorei essa sua.

Anônimo disse...

Mais um dom! Voce é admiravelmente iluminado!

Andréa disse...

Oba! Bom saber que meu amigo Edu está passeando por aqui. Adoro reunir pessoas interessantes e inteligentes.
Um beijo californiano pra ti.