sábado, 12 de agosto de 2006

PRESENTE / AUSENTE

O vulto refletido nas lentes dos óculos, sou eu no momento em que apertei o disparador. O fotografado é meu primogênito, há uns 17 anos atrás.
A imagem é clichê; todo mundo já aproveitou superfícies espelhadas pra fazer composições fotográficas e estabelecer um diálogo entre a imagem fotografada e a imagem refletida. O efeito nesta é razoável, mas o que chama a atenção, hoje, pra mim é me ver atrás da câmera. O olhar do fotógrafo, ou de quem filma a cena, é sempre um olhar distanciado. Ou você documenta ou você protagoniza. Não dá pra fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Se voce é a pessoa que fotografa, não vai viver aqueles momentos. Vai ver, mas não vai viver. Vai olhar, mas não vai sentir. Vai testemunhar, mas não vai estar. Acho que é isso que dá coragem a um correspondente de guerra, sem tirar o mérito que ele tem de cumprir seu dever. No instante em que foca o olhar pelo visor, é como se ele não estivesse ali, apesar das balas zunindo por perto.
Como o momento é infinitesimal e fugaz, você perde o bonde da história. Não adianta repetir pra sair na foto. Essa imagem é de um outro momento. Parecida, mas de um outro momento que, aliás, poderia nem ter acontecido, caso você sofresse um ataque cardíaco fulminante, por exemplo.
Há muito percebi isso. E, quando percebi, passei a sacrificar o trabalho de documentação para entrar dentro da cena e gravar registros afetivos. Posso dizer que saí ganhando. E sempre dá pra pedir pra alguém tirar uma foto de você com seu filho, abraçados, os dois sorrindo para a câmera, olhando na mesma direção, sem óculos escuros e sem câmera na frente dos olhos, pra que as almas saiam sorrindo na foto também.

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