quinta-feira, 3 de agosto de 2006

ATÉ DEBAIXO D´ÁGUA....

Cabral e os que o seguiram trouxeram espelhinhos e outras modernidades do primeiro mundo, com a finalidade de seduzir, cooptar e dominar os moradores da Terra de Santa Cruz. Naquela época, Portugal era o primeiro mundo que viria, inclusive, a nos colonizar, como fazem hoje os Estados Unidos da América.
Desde então, os brasileiros somos fascinados por "gadgets" importados, cuja serventia, se bem avaliada, é nula.
Um exemplo recente é a incorporação de câmera fotográfica - de qualidade ruim- nos celulares. Um celular é um objeto de grande utilidade, mas sua função "câmera" é ridícula. A qualidade ótica das lentes é péssima, a resolução dos arquivos patética e as fotos obtidas com ele são, conseqüentemente, horríveis. Qualquer digital compacta - e barata - do mercado é infinitamente superior sob todos os critérios de avaliação. Por isso, todo mundo hoje tem uma digital compacta, por mais simples que seja. Então, pra que serve o celular com câmera? Por quê todos escolhem um celular com câmera acoplada, mesmo pagando pelo menos quarenta por cento mais caro por esses modelos? Mesmo possuindo uma câmera digital - melhor - e utilizando o celular apenas para o que ele foi feito: telefonar.
A resposta é difícil para nós, mas os especialistas em mercadologia a têm na ponta da lingua. E sabem, também, que o fascínio que tais brinquedinhos exercem sobre o consumidor compara-se ao fascínio exercido pela cascavel, antes de dar o bote em sua presa. O ratinho sabe que vai morrer, mas não consegue sair dali. Ficamos como ratinhos, hipnotizados na frente da vitrine, prontos a cair no bote do vendedor.
Mesmo que o chamado "valor agregado" não traga nenhuma utilidade, aquilo mexe com a nossa emoção de forma fatal. Há uma história verídica que demonstra bem como esses "argumentos definitivos" têm poder de modificar comportamentos.
Logo após a Segunda Guerra, a grande vedete da escrita era a caneta-tinteiro. Modelos elegantíssimos, como a Parker 49 (eram chamadas, como os carros, pelo ano de lançamento) ou a Montblanc eram objetos de desejo. Não só pela facilidade que a tecnologia introduziu, ao colocar a tinta diretamente no corpo da caneta, evitando que fosse preciso a cada momento molhar a pena no tinteiro, mas também por terem se transformado num símbolo de bom gosto e status social. O desenho desses novos instrumentos de escrita era clássico e elegante. Os materiais empregados na sua fabricação, quase artesanal, eram sofisticados: ouro, prata, laca, pedras preciosas, uma verdadeira jóia.
Foi nesse ambiente que nasceu a caneta esferográfica. Tinha muitas vantagens sobre as tinteiro. Não vazava e não sujava os dedos nem a roupa. Escrevia bem em qualquer superfície. Não entortava a pena - que não tinha. E, maravilha, era baratíssima e descartável.
Nessa época, as mercadorias iam para o interior do país através dos mascates, caixeiros-viajantes, que, de mala na mão, visitavam os comerciantes para oferecer e vender tais produtos.
Um desses caixeiros-viajantes chegou a uma cidade pequena do interior trazendo a grande novidade: a "ball pen", caneta esferográfica, que ainda não se chamava Bic. A "grande novidade" não fez nenhum sucesso entre os compradores. Por mais que o mascate se esforçasse, tentando convencê-los das vantagens - reais - da invenção revolucionária, os comerciantes reunidos torciam o nariz para aquele instrumento feio, de desenho pobre, feito em matéria plástica, como se dizia e que - absurdo! - depois de terminada a tinta, se jogava fora. Quem iria deixar de comprar uma Parker 49, uma Shaffer 51, uma Montblanc de laca preta com anel em ouro e pena também, para escolher aquela coisa fininha e sem graça.
Até que o vendedor teve uma idéia. Pediu que viessem com uma bacia cheia de água. Ninguém entendeu nada. Ele manteve o suspense. Quando a bacia chegou, colocou-a na mesa, pediu atenção dos presentes e mergulhou uma folha de papel dentro da água. Rapidamente, pegou a caneta e escreveu seu nome no papel. Retirou-o da bacia com o mesmo ar de orgulho com que o mágico revela a pombinha surgindo do nada, nas dobras do tecido colorido. A platéia ficou pasma, em silêncio. Uma caneta que escreve debaixo d´água...! Que prodígio! Fantástico! Vendeu o estoque.
O resto da história todos conhecem. A esferográfica virou um sucesso. Mas para que alguém vai querer uma caneta que escreve debaixo d´água? Ou, para que alguém vai querer um celular que tira fotos? Tá bom, alguma utilidade isso tem. O que incomoda é o fato de que avaliamos (e pagamos) as coisas (e as pessoas, também) não pelo que têm na sua essência (escrever bem, no caso da caneta e fazer uma boa ligação telefônica, no caso do celular), mas principalmente pelo que trazem de acessórios, supérfluos, dispensáveis.
Outro dia vi um anúncio em uma revista. O título era "Até debaixo d´água". Fazia propaganda de uma câmera digital que podia tirar fotos.... debaixo d´água!
Fiquei olhando para o anúncio, hipnotizado como um ratinho pelo chocalho da cascavel...

2 comentários:

Andréa disse...

Poxa Paulo, vc me deixou um dos comentarios mais legais que alguém pode receber. Ganhei o dia! E adorei o seu blog, voltarei sempre pra um cafezinho. :)
Um abraço.
P.S. ADORO canetas. Ganhei uma outro dia que é pequenininha, mas poderosa. Usada por astronautas, ela escreve de cabeça pra baixo, pra quando se está deitado. Não é o máximo?

Anônimo disse...

hoje maio de 2008 o que vc acha sobre celulares com câmera,1, 2, 3, 5, até 9 megapixels? Pois é "ratinho" o tempo passa e o que é supérfluo pode se tornar necessario, denuncias, imagens exclusivas em cima da hora, cinegrafismo amador... o tempo passa, abraços